TAWHID: A Fé na Unicidade de Deus

Outros Artigos

31/05/2020

O ensinamento mais importante e mais fundamental do Profeta Mohammad (saw) é a fé na unicidade de Deus, que é expressa no Kalimah do Islam como “Não há outra divindade senão Allah” (la ilaha illallah).

 

Esta bela sentença é a pedra fundamental do Islam, sua fundação e sua essência. É a expressão desta crença que faz a diferença entre um verdadeiro muçulmano e um kafir (descrente), um mushrik (aquele que associa parceiros a Deus em Sua Divindade) ou um dahriyah (um ateu).

 

A aceitação ou a negação desta sentença produz uma infinidade de diferenças entre um homem e outro homem. Aqueles que creem nela transformam-se em uma única comunidade e aqueles que não creem nela forma um grupo oposto. Para os crentes, é o progresso e o êxito neste mundo e noutro, enquanto que para os descrentes restam o fracasso e a ignomínia.

Mas, a diferença entre crentes e descrentes não se resume a um simples recitar de algumas palavras. É evidente que a mera declaração de uma frase ou duas não é importante. A verdadeira diferença está na aceitação consciente desta doutrina e na total adesão a ela como forma de vida. A repetição da palavra “comida” não aplaca a fome, entoar uma prescrição médica não cura a doença.

 

Da mesma forma, se o Kalimah for repetido sem a compreensão de seu sentido, não poderá promover a revolução a que ele se propõe fazer. Isto só acontecerá se a pessoa alcançar o verdadeiro sentido da doutrina e aceitá-la, e segui-la, na letra e no espírito. Evitamos o fogo porque sabemos que ele queima; ficamos afastados do veneno porque sabemos que ele pode causar a morte. Igualmente, se o verdadeiro significado do Tawhid for compreendido em sua essência, evitaremos, em nossa crença e em nossos atos, toda forma de descrença, ateísmo e politeísmo. Esta é a consequência natural da crença na Unicidade de Deus.

O Significado do Kalimah

A palavra ilah, em árabe, quer dizer “aquele que é adorado”, ou seja, um ser que, por sua grandeza e poder, é considerado merecedor de ser adorado: a quem se curva com humildade e submissão. Qualquer coisa ou ser possuidor de tão grande poder também é chamado de ilah. O conceito de ilah compreende, ainda, a idéia de alguém que possui poderes infinitos e transmite o sentido de que os outros são dependentes de ilah, mas que ele não depende de ninguém. A palavra ilah também traz um sentido de encobrimento e mistério. A palavra Khuda, em persa, Deva, em hindu, e Deus, em português, tem conotações similares. Outras línguas também possuem palavras com sentido semelhante. (1)

Por outro lado, a palavra Allah, é o nome pessoal essencial de Deus. La ilaha illallah significa literalmente “Não há outro ilah exceto Um Grande Ser, conhecido pelo nome de Allah.” Significa que no universo todo, não existe absolutamente qualquer outro ser digno de ser adorado que não seja Allah, que é o único diante de Quem as cabeças devem se curvar em submissão e adoração, que Ele é o único Ser que possui todos os poderes, que todos precisamos de Suas bênçãos e que somos obrigados a buscar Seu socorro. Ele está oculto de nossos sentidos e nossa inteligência não percebe o que Ele é.

 

Agora, que conhecemos o significado dessas palavras, vamos tentar entender a sua verdadeira importância.

Desde os primórdios da história do homem, assim como dos mais remotos achados da antiguidade de que fomos capazes de encontrar, que o homem, em cada época, reconheceu uma divindade ou várias e as adorava. Mesmo hoje, toda nação, desde a mais primitiva até a mais avançada, crê nisto e adora algumas divindades. Ter uma divindade e adorá-la faz parte da natureza humana. Existe alguma coisa na alma do homem que o força a agir assim.

Mas, a questão é: O que é esta coisa e por que o homem se sente compelido a agir assim? A resposta a esta indagação pode ser descoberta se olharmos para a posição do homem neste imenso universo. Nem o homem, nem sua natureza, são onipotentes. Ele não é auto-suficiente e nem autocriador e seus poderes são limitados. Na verdade, ele é fraco, débil, necessitado e destituído.

Ele depende de uma quantidade enorme de forças para manter sua existência, mas nem todas elas estão inteiramente sob seu controle. Algumas vezes parece que ele tem poder sobre elas, de uma forma simples e natural, mas, outras vezes, ele se encontra privado delas. Existem muitas coisas importantes e valiosas que ele se esforça por conseguir, algumas vezes ele consegue, outras não, pelo fato de ele não ter o poder de obtê-las. Existem muitas coisas que o prejudicam, acidentes acabam com o trabalho de toda uma vida em segundos, o acaso leva suas esperanças a um rápido fim, a doença, as preocupações e as calamidades estão sempre ameaçando-o e frustrando seu caminho para a felicidade. Ele tenta afastar-se delas mas pode encontrar tanto o êxito como o fracasso.

Existem muitas coisas cuja grandeza e esplendor o intimidam: as montanhas e os rios, os animais gigantes e as feras. Ele experimenta terremotos, tempestades e outros desastres naturais. Ele observa as nuvens sobre sua cabeça e as vê ficando espessas e escuras, os raios trovejando e a chuva pesada caindo. Ele vê o sol, a lua e as estrelas em seus movimentos constantes. Ele pensa em como são grandes e poderosos esses corpos celestes em comparação com ele, tão frágil e insignificante!

Este grande fenômeno, por um lado, e a consciência de sua fragilidade, por outro, imprimem no homem um profundo sentido de sua própria fraqueza, insignificância e desamparo. E é bastante natural que uma idéia primitiva de divindade deva coincidir com este sentimento. Ele pensa nas mãos que manejam essas forças. A percepção de sua grandeza o faz curvar-se em submissão, a percepção de seu poderio o faz buscar por socorro. Ele tenta satisfazê-las para que elas o beneficiem, e ele as teme e tenta escapar de sua fúria para não ser destruído por elas.

No mais primitivo estágio de ignorância, o homem acha que os grandes objetos da natureza, cujo esplendor e glória são visíveis e que lhe parecem benéficos ou prejudiciais, são detentores de poder e autoridade verdadeiros, e, por consequência, são divinos. Assim, ele adora as árvores, os animais, os rios, as montanhas, o fogo, a chuva, o ar, os corpos pesados e vários outros objetos. Esta é a pior forma de ignorância.

Quando sua ignorância se dissipa até um determinado ponto e alguns vislumbres de luz e conhecimento surgem em seu horizonte intelectual, ele começa a perceber que esses objetos grandes e poderosos também são tão desamparados e dependentes, ou antes, eles são ainda mais dependentes e desamparados. O maior e mais forte animal também morre, da mesma forma que um micróbio ínfimo, e perde todo seu poder; os grandes rios surgem e desaparecem; as montanhas imensas são dinamitadas e fragmentadas pelo próprio homem; a produtividade da terra não está sob controle da terra – a água a torna próspera e a falta dela a torna árida. Mesmo a água não é independente. Ela precisa do ar que traz as nuvens. O ar também é impotente e para que seja útil, ele também depende de outras causas. A lua, o sol e as estrelas também estão presos a uma lei externa poderosa, cujos ditames determinam o mais delicado movimento.

Após tais considerações, a mente do homem se volta para a possibilidade de um grande poder misterioso, de natureza divina que controla os objetos que ele vê e que são depositários de toda a autoridade. Essas reflexões abrem espaço para crença em poderes misteriosos por trás dos fenômenos naturais, com vários deuses governando partes e aspectos da natureza, como o ar, a luz e a água. Formas materiais ou símbolos são construídos para representá-los e o homem começa a adorar essas formas ou símbolos. Isto também é uma forma de ignorância e a realidade permanece oculta aos olhos do homem neste estágio intelectual e de caminhada cultural.

À medida em que o homem progride em conhecimento e aprendizagem, e medita mais e mais profundamente sobre os problemas fundamentais da existência, ele descobre uma lei onipotente e um controle total do universo. A regularidade absoluta do nascer do sol e do pôr-do-sol, os ventos e as chuvas, o movimento das estrelas e as estações do ano! Como funcionam conjuntamente numa harmonia maravilhosa com as várias e diferentes forças. E como esta lei é sublimemente sábia e eficaz, por intermédio da qual todas as várias causas do universo são feitas para funcionarem coordenadas, num tempo determinado para um acontecimento determinado! Observar esta uniformidade, regularidade e obediência total a uma grande lei em todos os campos da Natureza, até um politeísta se acha obrigado a crer que deve haver uma divindade maior do que todas as outras, exercendo autoridade suprema. Porque, se fossem divindades separadas e independentes, toda o mecanismo do universo estaria comprometido.

O homem chama esta divindade maior por nomes diferentes como Allah, Permeshwar, Khuda-i-Khuda’igan, God, Deus. Mas, a escuridão da ignorância ainda persiste, ele continua adorando divindades menores juntamente com este Ser Supremo. Ele imagina que o Reino Divino de Deus não é diferente dos reinos terrestres. Como um governante que tem muitos ministros, parceiros de confiança, governadores e outros funcionários responsáveis, as divindades menores são como funcionários responsáveis sob as ordens do Deus Maior, de quem ele não se aproxima a não ser por intermédio dessas entidades. Portanto, elas também devem ser adoradas e solicitadas e não devem, em hipótese alguma, ser ofendidas. Elas são tidas como agentes, através dos quais pode-se chegar ao Grande Deus.

Quanto mais o homem aumenta seu conhecimento maior é sua insatisfação com a multiplicidade de divindades. Assim, o número de divindades menores começa a diminuir. Chegam mais homens iluminados sob o holofote da investigação e finalmente descobrem que nenhuma dessas divindades criadas pelo homem tem qualquer característica divina; elas próprias são criaturas como o homem, embora um pouco menos desamparadas. Portanto, elas são eliminadas uma a uma até restar somente um Deus.

Mas o conceito de um Deus único ainda está impregnado de alguns remanescentes dos elementos da ignorância. Algumas pessoas imaginam que Ele tem um corpo como os homens, e que está em um determinado lugar. Outros acreditam que Deus desceu à terra sob a forma humana; outros, ainda, acham que Deus, após executar suas tarefas, retirou-se e agora está descansando. Alguns acreditam que só se chega a Deus através dos santos e espíritos e que nada pode ser alcançado sem a intercessão deles. Outros imaginam que Deus tem uma forma ou imagem e acham que é preciso manter esta imagem diante deles com o objetivo de ser adorado.

Essas noções distorcidas da divindade persistiram e permaneceram e muitas delas ainda prevalecem entre os diversos povos até os dias de hoje.

Tawhid é o mais elevado conceito de divindade, o conhecimento que Deus, através de Seus Profetas, enviou para a humanidade em todas as épocas. Foi com este conhecimento que, no começo, Adão foi enviado à terra; foi o mesmo conhecimento que foi revelado a Noé, Abraão, Moisés e Jesus (saw). Foi este conhecimento que Mohammad (saw) trouxe à humanidade. É o Conhecimento puro e absoluto, sem a menor sombra de ignorância. O homem tornou-se culpado de shirk, de idolatria e kufr só porque ele se afastou dos ensinamentos dos Profetas e passou a depender de seu raciocínio débil, de suas falsas percepções ou interpretações preconceituosas. Tawhid dispersa todas as nuvens da ignorância e ilumina o horizonte com a luz da realidade.

Vamos ver quais realidades importantes o conceito de Tawhid – esta pequena sentença: la ilaha illallah – envolve: qual a verdade que ele transmite e que crenças ele alimenta.

Primeiro, somos desafiados com a questão do universo. Ficamos face a face com um universo infinito e imenso. A mente do homem não compreende seu começo e não visualiza o seu fim. Ele se move em um curso característico deste tempos imemoriais e continua sua jornada para a sua imensa perspectiva de futuro. Quantidades incalculáveis de criaturas surgiram neste universo e continuarão surgindo a cada dia. É tão desorientador que o homem racional se acha perplexo. Ele é incapaz de compreender e alcançar esta realidade com sua visão comum. Ele não acredita que tudo isto surgiu por acaso. O universo não é uma massa fortuita de matéria. Não é uma série de objetos desordenados. Não é uma aglomeração de coisas caóticas e sem sentido. Tudo isto não pode existir sem um Criador, um Projetista, um Controlador, um Governante.

Mas, quem pode criar e controlar este universo majestoso? Somente Ele pode, Aquele que é o Senhor de tudo; Aquele que é Infinito e Eterno; Aquele que é Todo Poderoso, Onisciente, Onipotente e o Mais Sábio; Aquele que tudo sabe e tudo vê. Ele deve ter autoridade suprema sobre tudo o que existe no universo. Ele possui poderes ilimitados, deve ser o Senhor do universo e de tudo que nele se contém, deve ser livre de falhas ou fraquezas e ninguém tem o poder de interferir em Seu trabalho. Somente um Ser assim pode ser o Criador, o Controlador e o Governador do universo.

Segundo, é fundamental que todos esses atributos e poderes divinos devam ser investidos em um Único Ser: não é possível coexistirem duas ou mais personalidades que tenham poderes e atributos iguais. Acabam se chocando. Portanto, deve haver um único Ser Supremo, controlando todos os outros. Não se pode imaginar dois governadores de uma mesma província, ou dois comandantes supremos de um mesmo exército. Da mesma forma, a distribuição de poderes entre divindades diferentes, ao ponto de, por exemplo, uma ser todo conhecimento, a outra ser provedora e uma terceira criar a vida – e cada uma delas tendo um domínio específico – também é impensável. O universo é um todo indivisível e cada uma dessas divindades serão dependentes umas das outras na execução de seu trabalho. Fatalmente ocorrerá uma falta de coordenação. E se isso acontecesse, o mundo se partiria em pedaços. Esses atributos também são intransferíveis. Não é possível que um determinado atributo esteja presente em uma certa divindade num certo momento e que em outro possa ser encontrado em outra divindade. Um ser divino que é incapaz de permanecer vivo por si mesmo, não pode dar a vida a outros. Aquele que não proteje seu próprio poder divino não pode ser adequado para governar este vasto universo sem fim.

Quanto mais meditamos, mais firme deve ser a nossa convicção de que todos os poderes e atributos divinos devem existir em um único e mesmo Ser. Portanto, o politeísmo é uma forma de ignorância que não resiste a uma análise racional. É uma impossibilidade prática. Os fatos da vida e da natureza não se enquadram nisto. Eles praticamente trazem os homens para a Realidade que é Tawhid, a Unicidade de Deus.

Com este conceito de Deus em mente, olhemos agora para este vasto universo. Esforcemo-nos ao máximo para dizer se encontramos entre todas as coisas que vemos, entre todos os objetos que percebemos, entre tudo o podemos pensar, sentir ou imaginar – tudo o que o nosso conhecimento pode abranger – alguém que possua tais atributos. O sol, a lua, as estrelas, os animais, os pássaros ou os peixes, matéria, dinheiro, qualquer homem ou grupo de homens – qualquer um deles possui esses atributos? Certamente que não! Porque tudo no universo é criado, controlado e regulado, é dependente dos outros, é mortal e transitório; os movimentos, por menores que sejam, são controlados por uma lei inexorável que não admite qualquer desvio. Sua condição de desamparo prova que a qualidade da divindade não se encaixa em seus corpos. Eles não possuem o menor vestígio de divindade e não têm nada a ver com ela. Trata-se de uma paródia da verdade e uma loucura atribuir uma condição divina a eles.

Este é o sentido de la ilaha (não há deus), nenhum ser humano ou objeto material possui o poder divino e autoridade que seja digno de obediência e adoração.

Mas, nossa busca não termina aqui. Descobrimos que qualquer elemento humano ou material do universo não está investido de divindade e que ninguém possui o mais leve traço dela. Isto nos leva à conclusão de que existe um Ser Supremo, acima de tudo o que nossos olhos vêem no universo. Quem possui atributos divinos, quem é a Vontade por trás dos fenômenos, o Criador deste grande universo, o Controlador de suas leis, o Governador de seu ritmo sereno, o Administrador de tudo o que funciona: Ele é Allah, o Senhor do Universo e ninguém e nada pode ser associado a Ele em Sua Divindade. Este é o significado de illallah (exceto Allah).

Este conhecimento é superior a todos os outros conhecimentos e o maior que podemos exercer, e que nos trará a convicção de que este é o ponto de partida de todo o conhecimento. Em todo campo da investigação – seja a física, a química, a astronomia, a geologia, a biologia, a zoologia, a economia, a política, a sociologia ou as ciências humanas, descobriremos que quanto mais explorarmos, mais evidentes se tornam as indicações da verdade do La ilah . Este é o conceito que abre as portas da pesquisa e da investigação e ilumina os caminhos do conhecimento com a luz da realidade. E se negarmos ou desrespeitarmos esta realidade, encontraremos, a cada passo, a desilusão, porque a negação desta verdade primeira priva o universo de todo o significado e importância.

Abul A’La Mawdudi, Towards Understanding Islam

(1) – Em grego é Oeo’s, em latim Deus, em gótico Guth, em alemão Gott. Ver Encyclopaedia Brittannica (Chicago. 1956) Vol. X, p. 460. – Editor.

 

fonte
sbmrj.org.br