A Justiça no Islam... Importância e Direitos
Dr. Ragueb El Serjani
Tradução: Sh. Ahmad Mazloum
A justiça é considerada um dos valores humanos essenciais que o Islam trouxe e estabeleceu como um dos elementos da vida individual, familiar, social e política, a ponto de o Alcorão Sagrado fazer da justiça o objetivo de todas as mensagens celestiais. Disse Allah, o Altíssimo: “Com efeito, enviamos Nossos mensageiros com as evidências, e por eles, revelamos o Livro e a balança para que os homens observem a equidade” (Al Hadid: 25). Não existe retratação maior do valor da justiça que indicá-la como o objetivo principal do envio dos mensageiros e da revelação dos Livros. Com a justiça, foram revelados os Livros e foram enviados os mensageiros, e com a justiça se constituíram os céus e a terra[1].
E numa confirmação clara e explícita da realização e prática da justiça mesmo que odiemos quem iremos julgar, Allah, exaltado seja, diz: “Ó vós que credes, sede constantes na justiça, testemunhando por Allah, ainda que contra vós mesmos, ou contra os pais e os parentes” (Annissá: 135). E diz também: “Ó vós que credes, Sede constantes em servir a Allah, sendo testemunhas com justiça. E que o ódio para com um povo não vos induza a não serdes justos. Sede justos, isso está mais próximo da piedade. E temei a Allah. Por certo, Allah do que fazeis, é Conhecedor” (Al Maídah: 8).
Ibn Kathir[2] disse: “Ou seja, que o ódio de um grupo não vos faça ser injustos com eles, porém, usem a justiça para todos, sejam amigos ou inimigos”[3].
Portanto, a justiça no Islam não se influencia com amor ou ódio, assim, a justiça não distingue descendência e linhagem, nem valor e dinheiro, também não distingue entre muçulmano e não muçulmano. Porém, todos os residentes em terras islâmicas devem usufruir da equidade, sejam muçulmanos ou não muçulmanos, por mais que haja amor ou discórdia entre estes e aqueles.
Quando Ussamah ibn Zaid tentou interferir a favor de uma mulher da tribo de Bani Makhzum, uma mulher de descendência, para que sua mão não fosse cortada pelo crime de furto, o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) ficou intensamente nervoso e, em seguida, fez um eloquente sermão na qual esclareceu o sistema judiciário islâmico e como nivelou entre todos os membros da sociedade, governadores e governados. Dentre as palavras do profeta (a paz esteja com ele) neste sermão: “O que destruiu os povos que viveram antes de vós foi, tão somente, o fato de que quando um nobre roubava o deixavam, e quando um fraco roubava cumpriam a pena sobre ele. Juro por Allah! Se Fátimah filha de Muhammad roubar, cortarei a sua mão”[4].
O Imam Ahmad compilou a narração de Jabir ibn Abdullah, que disse: Allah concedeu a conquista de Khaibar ao mensageiro de Allah (a paz esteja com ele), que fez permanecer os seus habitantes (judeus) como estavam, e dividiu a colheita entre eles. Então, o profeta (a paz esteja com ele) enviou Abdullah ibn Rawahah para avaliar a produção agrícola deles para a sua divisão, de acordo com o tratado após a conquista de Khaibar. Os judeus tentaram suborná-lo para ser transigente com eles. Então, Abdullah lhes disse:
Por Deus, são as criaturas que mais odeio, matastes os profetas de Allah e mentiram sobre Allah, porém, o meu ódio por vocês não me levará a ser injusto com vocês. Avaliei vinte mil wassaq de tâmaras. Se quiserdes, é vosso. E se quiserdes, é meu. Disseram: “Com isso foram criados os céus e a terra”. Aceitamos[5].
Mesmo com o ódio de Abdullah ibn Rawahah contra os judeus, ele não cometeu injustiça contra eles, ainda mais, publicou explicitamente para eles que não cometerá injustiça contra eles, e de qualquer parte das tâmaras que eles quiserem levar lhes será permitido.
Esta é a justiça no Islam, é a balança de Allah na Terra. Através desta justiça se faz chegar ao mais fraco e ao injustiçado os seus direitos e se estabelece ao dono da verdade que ele chegue ao seu direito pelo caminho mais curto e mais fácil. A justiça é um dos valores que surgem da crença islâmica em sua sociedade, pois todas as pessoas na sociedade muçulmana têm direito à justiça e direito de tranqüilidade à justiça.
E se o Islam ordenou a justiça que não conhece o sentimentalismo e não se influencia com amor e ódio - a justiça com todas as pessoas, como vimos nos primeiros versículos -, ele inicialmente, ordenou a justiça da pessoa consigo mesma quando ordenou o muçulmano a equilibrar entre a justiça consigo mesmo, a justiça com o seu Senhor e os direitos dos outros. Isto transparece na palavra do profeta (a paz esteja com ele) quando ele reconheceu que Salman tinha razão quando disse ao seu irmão Abuddardá (que cometeu injustiça contra sua esposa ao abandoná-la e manter-se em jejum de dia e rezando de noite): “Ao teu Senhor tens um direito sobre ti (para cumprir), e a ti mesmo tens um direito sobre ti, e à tua família tens um direito sobre ti. Portanto, dê a cada um o seu direito”[6].
E o Islam ordenou a justiça no dizer. Disse Allah, o Altíssimo: “E, quando falardes, sede justos, ainda que se trate de parentes” (Al Na’ám: 152). Também ordenou a justiça na sentença. Disse Allah, o Altíssimo: “Por certo, Allah vos ordena que restituais os depósitos a seus devidos donos. E quando julgardes entre os homens, que julgueis com justiça” (Annissá: 58). Também ordenou justiça na conciliação. Disse Allah, o Altíssimo: “E se duas facções dos crentes pelejam, reconciliai-as. E, se uma delas comete transgressão contra a outra, combatei a que transgride, até que ela volte para a ordem de Allah. Então, se ela volta, reconciliai-as, com a justiça, e sede justos. Por certo, Allah ama os justos” (Al Hujurat: 9).
E à medida que o Islam ordenou a justiça e a incentivou, também proibiu a injustiça e a combateu com veemência, seja a injustiça da pessoa a si mesma ou aos outros, principalmente a injustiça dos fortes contra os fracos, dos ricos contra os pobres e dos governantes contra os governados. E quanto mais fraca é a pessoa, a injustiça contra ele é mais pecaminosa[7]. No hadith qudssi (palavra de Allah relatada pelo profeta): “Ó meus servos, eu proibi a injustiça a Mim, e a fiz proibida entre vós, portanto não cometei injustiças entre vós”[8]. E o mensageiro (a paz esteja com ele) disse a Muázh: “... e tema a prece do injustiçado, porque não barreira entre esta prece e Allah”[9]. E disse também:
Três não lhe serão recusadas as suas preces: o jejuador até quebrar o jejum, o governante justo, e a prece do injustiçado, Allah a eleva acima das nuvens e lhe abre as portas do céu, e o Senhor diz: “Pela minha glória e majestade, irei te fazer triunfar, mesmo que depois de um tempo”[10].
Assim é a justiça... a balança de Allah na sociedade do Islam.
[1] Yussuf Al Qardhaui: As marcas da sociedade muçulmana que almejamos, p. 133.
[2] Ibn Kathir: Abu al Fida Ismail Ibn Kathir Al-Dimashqi (701-774 d.H. / 1302-1373 d.C.) foi um memorizador do Alcorão, historiador e jurista. Ele nasceu em uma pequena aldeia em Basra, Síria, e morreu em Damasco. Al- Bidaya wal Nihaya (O Princípio e o Fim) é um dos seus livros. Veja: Al-Husseini, Zhail Tazkirat Al Huffaz, p 57, 58.
[3] Ibn Kathir: Tafssir Al Qur’an Al Ádhim (A Interpretação do Magnífico Alcorão) 2 / 43.
[4] Al Bukhari: Kitab Al Anbiá (Livro dos Profetas) (3288), e Muslim: Kitab Al Hudud (Livro de punições prescritas), (1688).
[5] Musnad Ahmad (Coleção de Hadith de Ahmad) (14996), Ibn Hibban (5199) e Shuayb al Arna'ut disse: Sua atribuição é certa, al Baihaqi: Al-Sunan Al-Kubra (7230), Al-Tahawi: Sharh Ma'ani al Aathar (interpretação dos significados das Tradições) (2856), Abdel Razzaq: Al Musannaf (os classificados) (7202), e foi corrigido por Al Albani, veja: Ghayat al Maram (459).
[6] Al Bukhari: Kitab Al-Sawm (Livro do jejum) (1832), Al-Tirmizi (2413).
[7] Veja: Yusuf Al Qaradawi: Marcas da comunidade muçulmana que almejamos, p 135.
[8] Relatado por Muslim da narração de Abu Zhar: Kitab Al-Bir Was-Silah wal-Adab (O livro das virtudes, boas maneiras e união dos laços de parentesco) (2577), Ahmad (21.458), Al Bukhari em Al Adab Al Mufrad (490), Ibn Hibban (619), al Baihaqi em seu livro Shu’ab Al Iman (Ramos da Fé) (7088) e As-Sunan Al-Kubra (11283).
[9] Al Bukhari: "Kitab al Maghazi (O Livro de expedições militares chefiadas pelo Profeta) (4000), e Muslim:" Kitab al Eman (Livro da Fé) (27).
[10] Al-Tirmizi: Kitab ad-Da'wat (Livro das Súplicas), (3598) e disse: Este é um hadith correto, Ibn Majah (1752), Ahmad (8030).