A Civilização Persa antes do Islam

A Civilização Persa antes do Islam

Dr. Ragueb El Serjani

Traducão: Sh. Ahmad Mazloum

 

Os persas estabeleceram um império amplo em suas fronteiras e uma civilização firme em seus alicerces. Dividiram com os romanos o governo do mundo civilizado. Sua civilização floresceu na época do governo sasanita, desde o século III a.C. e despontou na política, administração, guerras e nos aspectos de luxúria e conforto. Tinham o zoroastrismo como religião oficial e a língua fahlawi, conhecida por ser cheia de metodologias e sabedoria[1]

 

A doutrina dos persas

No aspecto da crença, na era antiga eles adoravam a Deus e prostravam a Ele, em seguida glorificaram o sol, a lua e as estrelas e os objetos do céu, igual a outros que o antecederam. Em seguida, surgiu Zoroastro (660-583 a.C.) como reformador social, que se dedicou em seu pensamento para a reforma dos idealismos religiosos de seu povo e disse: “A luz de Deus brilha em tudo que nasce e acende no Universo”. E ordenou que se direcionasse na direção do sol e do fogo na hora da oração porque a luz simboliza a divindade e ordenou que os quatro elementos não fossem impurificados: o fogo, o ar, a terra e a água. Em seguida, surgiram outros sábios que estabeleceram diversas leis para os zoroastrianos, proibiram a ocupação com ações que fazem uso do fogo, então se resumiram em seus trabalhos à agricultura e ao comércio, e a partir desta glorificação ao fogo, as pessoas se dirigiram a ele em suas as pessoas se dirigiram a ele em suas orações e passaram a adorá-lo, tornaram-se adoradores dele mesmo, e construíam para ele estruturas e templos. Assim, todas as crenças e religiões se extinguiram, exceto a adoração ao fogo¹.

 

O fogo não revela aos seus adoradores nenhuma lei, nem envia mensageiro, nem se intromete nos aspectos de suas vidas, nem pune a quem a desobedece e aos criminosos, a religião para os zoroastrianos tornou-se rituais e tradições realizadas em lugares específicos em horários definidos. Porém, fora dos templos, em suas casas, nas assembleias de governo, em suas práticas na política e na sociedade eles eram livres, agiam conforme seus caprichos e conforme desejavam os seus espíritos, concluíam os seus pensamentos ou inspiravam seus interesses. Esse é o caso dos idólatras em toda época e em todo lugar[2].

 

A ética na Pérsia

De outro lado, a base da moral era instável e turbulenta desde muito antigamente, e as proibições de casamento por parentesco – aquelas sobre as quais as naturezas das pessoas moderadas concordavam sobre sua proibição e abominação - eram ponto de discórdia e discussão, a ponto de Yazdegerd II (que governou no fim do quinto século d.C.) se casar com sua própria filha e depois assassiná-la. Bahram Gobain (que reinou no século VI) era casado com sua irmã. O Dr. Arthur Christensen[3] diz em seu livro O Irã na era dos Sasanitas: os historiadores da era sasanita, como Jathias e outros, acreditam na existência do casamento dos iranianos com parentes íntimas, e existe na história dos sasanitas exemplos desses casamentos, que não é era considerado um pecado para os iranianos, mas sim uma boa ação com a qual eles se aproximavam de Deus. O viajante chinês Huin Suinj apontou este casamento ao dizer: “Os iranianos casam-se sem exceção”[4].

 

Ensinamentos de Mani na Pérsia

          E no terceiro século cristão surgiu Mani, cujo surgimento foi uma violenta resposta contra a tendência concupiscente que prevalecia no país. Então, ele traçou um caminho através do qual combatia esta concupiscência brutal, pregou a vida de celibatário e proibiu o casamento, para interromper a natalidade e apressar o fim da espécie humana. O rei sasanita Bahram o matou no ano 276 d.C. dizendo: “Este saiu pregando a destruição do mundo, então é obrigatório que a sua destruição tenha início antes que ele alcance algo do que pretende”. Mani morreu, porém seus ensinamentos viveram até a época após a conquista islâmica[5].

          Em seguida, o instinto da natureza persa se rebelou sobre os censuráveis ensinamentos de Mani, e adotaram a pregação de Mazdak[6], que nasceu em 487 d.C. Este, por sua vez, declarou que os humanos nasceram iguais não havendo diferença entre eles, então devem viver iguais sem diferença entre eles. E levando em consideração que os egos zelam em preservar e guardar, entre outras coisas, os bens e as mulheres, então, para Mazdak, estes dois pontos são os que mais nos são obrigatórios para promover a igualdade e o compartilhamento neles. Al Shahristani[7] disse: “Licitou as mulheres e permitiu os bens tornando as pessoas sócias neles (mulheres e bens) assim como compartilham a água, o fogo e a mata espessa”[8].

Esta pregação obteve o apoio dos jovens, dos ricos e dos luxuosos, ganhou simpatia em seus corações e também a proteção da corte. Qubaz[9] a apoiou e foi ativo em sua difusão e sustento, a ponto de o Irã se mergulhar em desordem moral e corrupção nas concupiscências. Disse Al Tabari[10]: “A casta baixa aproveitou isso, se agruparam ao redor de Mazdak e o apoiaram. Ganharam força e incomodaram as pessoas, a ponto de entrarem na casa de um homem e o dominarem em sua própria casa sobre suas esposas e seus bens sem ele conseguir se defender, fizeram Qubaz apoiar estes ataques ameaçando tirá-lo do governo. Em pouco tempo, o homem não conhecia mais o seu filho, nem o filho conhecia seu pai, nem possuía nada do que usufruía”[11].

          Os czares, os reis persas, alegavam que um sangue divino corria em suas veias e que em suas naturezas havia elementos elevados sagrados. Os persas acreditaram nesta alegação e os elevaram ao nível dos deuses, dedicaram-lhes as oferendas e creram que somente eles podiam vestir a coroa e coletar os impostos. Este direito se transferia dentro da casa real de pai para filho, ninguém competia com eles nisso, exceto um tirano injusto. Assim, respeitavam o reino e a herança dentro da casa real, sem almejar sua transferência nem querer outro rei em troca[12].

 

As classes da sociedade persa

          E havia uma larga cratera entre as castas da sociedade iraniana. O Dr. Arthur Christensen disse: “A sociedade iraniana se baseava na consideração da descendência e das profissões, e havia entre as castas da sociedade uma larga cratera sobre a qual não podia se constituir nenhuma ponte nem se ligar a nenhuma união”[13].

          Assim era a civilização persa, marcada pela  preocupação com os desejos carnais e a consideração da força bélica e da influência política, a consagração dos reis e sua divinização dentre as aglomerações do povo e suas castas.

 


[1] Abu Zaid Shalabi: História da civilização islâmica e pensamento islâmico, p 67.

[2] Veja: Abu Al Hassan Al Nadawi: O que o mundo perdeu com a decadência dos muçulmanos p 63-64.

[3] Arthur Christensen (falecido em 1945): Especialista em história do Irã e professos de estudos iranianos na Universidade Copenhagen, considerado um dos melhores escritores sobre o Irã antes e depois do Islam.

[4] Arthur Christensen: O Irã na era dos Sasanitas, transferido de Abu Al Hassan Al Nadawi: O que o mundo perdeu com a decadência dos muçulmanos p. 56-57.

[5] Idem, p. 42.

[6] Mazdak: Filósofo persa conhecido. Surgiu na época de Coesres Qubaz, pai de Anushruan (488 – 513 d.C.). Ele convidou Qubaz à sua ideologia e este aceitou; Anusharuan, por sua vez, leu as suas blasfêmias e o matou. Ele havia declarado as mulheres e as propriedades totalmente lícitas, torando as pessoas sócias em tudo isso.

[7] Al Shahristani: Abul Fath Muhammad ibn Abdul Karim ibn Ahmad Al Shahristani (479 – 548 d.H. / 1086 – 1153 d.C.). Um filósofo muçulmano, imam na ciência de al kalam, religiões e seitas. É apelidado “al afdhal”(o mais virtuoso). Nasceu e morreu em Shahristan. Veja: Al Zirkilli 6/215.

[8] Al Shahristani: Al mila wa Al nihal (As religiões e seitas) 1/248.

[9] Qubaz ibn Fairuz: Um dos maiores reis sasanitas. Governou durante 43 anos (488 – 531 d.C.). Ele combateu o reinado de Al Kharaz e os romanos.

[10] Al Tabari: Abu Já’afar Muhammad ibn Jarir Al Tabari (224 – 310 d.H. / 839 – 923 d.C.). Foi um imam em muitas artes, tafssir, hadith, fiqh, história e outras. Nasceu em Amul Tabaristan e morreu em Bagdá. Veja: Ibn Khalikan: Wafiyat Al A’aian 4/191, 192.

[11] Al Tabari: Tarikh Al Umam wal Muluk (A história das nações e reis) 1/419.

[12] Abu Al Hassan AL Nadawi: O que o mundo perdeu com a decadência dos muçulmanos p. 58-59.

[13] Arthur Christensen: O Irã na era dos Sasanitas, transferido da fonte anterior, p. 60.