Os Direitos das Minorias na Civilização Islâmica

Os Direitos das Minorias na Civilização Islâmica

Dr. Ragueb El Serjani

Tradução: Sh. Ahmad Mazloum

 

        Sob a sombra da lei islâmica, a minoria não-muçulmana dentro da sociedade muçulmana ganhou direitos e privilégios que jamais uma minoria conquistou em qualquer outra lei ou em qualquer outro país. Isto ocorreu porque a relação entre a sociedade muçulmana e a minoria não- muçulmana foi regida pela diretriz divina expressa no dizer de Allah, o Altíssimo: “Allah não vos coíbe de serdes blandiciosos e equânimes para com os que não vos combateram, na religião, e não vos fizeram sair de vossos lares. Por certo, Allah ama os equânimes” (Al Mumtahanah: 8). 

          Este versículo definiu a base ética e legislativa com o qual os muçulmanos devem tratar aos outros, a benevolência e a justiça a todos que não declaram hostilidade. Estas são bases desconhecidas pela humanidade antes do Islam, e depois do Islam a humanidade viveu por séculos sofrendo pela ausência delas. Até os dias de hoje a humanidade procura aplicar tais bases nas sociedades modernas e quase não consegue chegar à sua realização, por causa dos caprichos, do fanatismo e do racismo.

 

A liberdade de crença das minorias

          A partir daí, a lei islâmica garantiu para as minorias não- muçulmanas vários direitos e privilégios; talvez o mais importante seja a liberdade de crença, baseando-se no dizer de Allah, o Altíssimo: “Não há imposição na religião” (Al Baqarah: 256). Isto se refletiu na carta do mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) enviada aos adeptos do Livro do Iêmen, na qual o convidou para o Islam: “... e algum judeu ou cristão que tornar-se muçulmano é considerado dos crentes, e será seu dever o que é dever deles. E quem permanecer no judaísmo ou cristianismo não será perseguido...”[1].

          A lei islâmica não poderia deixar os não-muçulmanos desfrutarem da liberdade de crença sem estabelecer regras que protegessem suas vidas, considerando-os humanos que têm direito à vida e à existência. Sobre isso, o profeta (a paz esteja com ele) disse: “Quem matar um um’áhid[2] não sentirá o odor do Paraíso”[3].

 

A advertência contra a injustiça contra os não muçulmanos

          E também advertiu sobre a injustiça ou a censura de seus direitos e fez de sua nobre pessoa um rival contra quem os agredir. Disse o profeta (a paz esteja com ele): “Quem injustiçar um mu’áhid  ou censurá-lo em seu direito, ou o sobrecarregar acima de sua capacidade, ou tomar algo dele sem sua permissão, eu lhe serei rival no dia da ressurreição”[4].

          Entre as posições admiráveis do profeta (a paz esteja com ele) neste assunto temos o que ocorreu com os Anssar em Khaibar, quando Abdullah ibn Sahl Al Anssari foi morto. Este assassinato ocorreu na terra dos judeus, e a probabilidade maior era que o assassino fosse um dos judeus. Contudo não havia nenhuma prova dessa suspeita, por isso o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) não puniu os judeus, apenas propôs que eles dessem juramento de que não cometeram o crime! Sahl ibn Abi Hathmah narra que um grupo de seu povo foi até Khaibar, espalhou-se por suas terras e encontrou um deles morto. Disse para quem em cujas terras foi encontrado: “Vós matastes nosso companheiro!”. Responderam: “Não o matamos e nem soubemos quem o matou”. Então, o grupo foi até o profeta (a paz esteja com ele) e disse: “Ó mensageiro de Allah, viemos até Khaibar e encontramos um de nossos companheiros morto”. O profeta (a paz esteja com ele) disse: “Deixem o maior entre vós falar”. E disse também: “Trouxeram provas sobre quem o matou?” Responderam: “Não temos prova alguma”. O profeta (a paz esteja com ele) disse: “Então eles prestam juramento”. Disseram: “Não aceitamos o juramento dos judeus”. Então o profeta (a paz esteja com ele) detestou perder o sangue do morto sem vingança e os indenizou com cem camelos retirados das doações da Casa da Moeda”[5].

          Neste episódio, o profeta (a paz esteja com ele) fez o que ninguém pode imaginar... ele pagou a indenização retirada dos bens dos muçulmanos para amenizar a consternação dos Anssar sem injustiçar os judeus. Portanto, os governantes muçulmanos devem se responsabilizar pelo encargo para que uma punição baseada em suspeita não seja aplicada sobre um judeu!

 

A proteção dos bens dos não muçulmanos

          A lei islâmica também garantiu o direito de proteção dos bens dos não-muçulmanos proibindo que sejam tomados ou dominados sem direito, sendo proibido roubá-los ou danificá-los, entre outras ações que se classificam como injustiça. Isto ocorreu na prática na época do profeta (a paz esteja com ele) quando ele decretou para o povo de Najran: “E o povo de Najran e seus cortesãos têm a proteção de Allah e a promessa de Muhammad, o profeta, mensageiro de Allah, sobre os seus bens, religião e mosteiros e tudo o que possuem debaixo de suas mãos, seja pouco ou muito...”[6].

          Mais admirável que isso é o direito da minoria não-muçulmana de ser sustentada pelos cofres dos estado – Casa da Moeda – quando alguém deles for incapaz, idoso ou pobre. Isto se baseia no dizer do mensageiro (a paz esteja com ele): “Todos vós sois pastores, e cada pastor é responsável por seu rebanho”[7], considerando-se que eles são considerados parte do povo, exatamente igual aos muçulmanos, e o Estado é responsável por eles perante Allah, exaltado seja.

          Sobre isso, Abu Úbaid[8] narrou em Al Amual que Said ibn Al Mussayib[9] disse: “O mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) fez uma doação a uma casa dos judeus, e esta é conduzida a eles (até hoje)”[10].

          Também expressa a grandeza do Islam e a humanidade da civilização islâmica a atitude que é narrada pelos livros de biografia do profeta (a paz esteja com ele), quando um féretro passou à frente do profeta (a paz esteja com ele) e ele se levantou. Então lhe foi dito: “É um judeu!”. Então, ele disse: “Não é uma alma?”[11].

          Assim são os direitos das minorias não-muçulmanas no Islam e na civilização islâmica. Sua diretriz básica é: o respeito a toda alma humana enquanto esta não comete injustiça ou hostilidade.

 


 

[1] Abu-Ubaid: Al-Amual, p 28; Ibn Zinjwih, Al-Amual, 1 / 109; Ibn Hisham Al-Sirah Al-Nabawiyah, 2 / 588; Ibn Kathir, Al-Sirah Al-Nabawiyah, 5 / 146. Ibn Hajar Al-Asqalani disse: Ibn Zinjwih narrou em Al-Amual sobre a autoridade de Al-Nadr ibn Shumayl sobre a autoridade de Awf sobre a autoridade de Al-Hasan, veja: Al-Talkhis Al-Habir, Ibn Hajar Al-Asqalani, 4 / 315.

[2] mu’áhid: É um termo utilizado geralmente para “ahl al zhimmah”, que são os judeus e cristãos que vivem sob a proteção do Estado islâmico, ou qualquer não muçulmano pacífico, que não combate os muçulmanos. Veja: Ibn Al Athir: Al Nihaiah fi Gharib Al Hadith wal Athar 3/613.

[3] Narrado por Al-Bukhari sobre a autoridade de Abdullah ibn Amr, o capítulo de Al-Jiziyah (2995), Abu-Daud (2760), e Al-Nasa'i (4747).

[4] Narrado por Abu Daud, o capítulo de Al-kharaj (tributo) (3052) e Al-Baihaqi (18.511). Al-Albani disse: Correto. Veja: Al-Silsilah Al-Sahihah (445).

[5] Narrado por Al-Bukhari, capítulo de Al-Diyat (Indenizações) (6502), e Muslim, o capítulo de Al-Qasamah wa Al-Muharibin wa Al-Qisas wa Al-Diyat (1669).

[6] Narrado por Al-Bayhaqi, Dala'il Al-Nubuwah (evidências da profecia), capítulo de Wafd Najran (Najran delegação) 5 / 485; Abu Yusuf Al-kharaj, p 72; e Sa'd Ibn, Al-Kubra Tabaqat Al-1 / 288.

[7] Narrado por Al-Bukhari sobre a autoridade de Abdullah ibn Umar, o capítulo de Al-Itq (libertação) (2416), e Muslim, o livro de Al-Imarah (1829).

[8] Abu Úbaid: Abu Úbaid Al-Qasim ibn Salam Al-Harawi (157-224 dH, 774-838 dC), um estudioso sênior do hadith, da literatura e jurisprudência islâmica. Ele nasceu em Harat e frequentou o ensino lá. Ele viajou para Bagdá e Egito e morreu em Makkah. Veja: Al-Zhahabi, Siyar A'lam Al-Nubala 10/490-492.

[9] Said ibn Al-Mussayib: Abu Muhammad ibn Said Al-Hazan Musayyib ibn al-Qurashi (13-94 dH 634-713 dC), o mestre da nova geração dos companheiros do Profeta, viveu em Madinah e foi uma das sete autoridades de hadith e jurisprudência em sua época. Ele também era famoso pela sua piedade e ascetismo. Veja: Ibn Sa'd, Al-Tabaqat Al-Kubra 5/119-143.

[10] Narrado por Abu-Ubayd em Al-Amwal, p613. Al-Albani disse que sua transmissão é boa na autoridade de Ibn Said Al-Mussayib. Veja: Tamam Al-Minnah, p389.

[11] Narrado por Muslim na autoridade de Ibn Qays Sa'd e ibn Sahl Hunayf, capítulo de Al-Jana'iz (funerais) (961) e Ahmad (23893).