Os muçulmanos e as Relações Internacionais

Os muçulmanos e as Relações Internacionais

Os muçulmanos e as Relações Internacionais

 

Dr. Ragueb El Serjani

Tradução: Sh. Ahmad Mazloum

 

Os sistemas dentro da civilização islâmica não se resumiram a tratar dos assuntos dos muçulmanos e dos assuntos dos não- muçulmanos, mas se preocupou também em organizar a relação dos muçulmanos com outros povos e estados. Neste assunto, a civilização islâmica teve fundamentos e princípios sobre os quais devem se construir essas relações, tanto na situação de paz como na situação de guerra por igual. Em tais situações transparece a grandeza da civilização islâmica e sua humanidade prevalece nas alturas.

 

O Islam é a religião da paz

A paz realmente é a base no Islam. Allah, exaltado seja, ordenou os seus servos que crêem n´Ele e em Seu mensageiro: “Ó vós que credes, entrai na paz, todos vós, e não sigais os passos de Satanás. Por certo, ele vos é inimigo declarado” (Al Baqarah: 208). A paz aqui significa “o Islam”[1], o Islam foi nominado com termo “paz” porque é uma paz para o ser humano, é paz para ele em sua pessoa, em sua casa, em sua sociedade, com quem está ao seu redor. O Islam é a religião da paz. 

          Não é à toa que a palavra “Islam” é derivada de Assilm (paz); vemos que a paz é um dos mais destacados princípios islâmicos, e podemos dizer que é absolutamente o mais destacado princípio. Ainda mais, o termo “paz” pode chegar a ser um sinônimo do próprio nome do Islam considerando-se a raiz linguística[2].

          Portanto a paz no Islam é situação original que prepara para a cooperação, amizade e difusão do bem entre as pessoas em geral. E se os não-muçulmanos conservarem a situação de paz, eles e os muçulmanos, na visão do Islam, são irmãos na humanidade. A segurança é estável entre os muçulmanos e os outros além deles, não por concessão ou tratado, mas é estável conforme a base de que o princípio é a paz e não ocorreu uma agressão aos muçulmanos que possa destruir esta base[3].

         

Os muçulmanos e a construção de relação com os não muçulmanos

É obrigação dos muçulmanos construir relações de afeto e amor com adeptos de outras religiões e com os povos não-muçulmanos, de acordo com esta irmandade humana e a partir do nobre versículo: “Ó humanos, por certo, Nós vos criamos de macho e fêmea, e vos fizemos nações e tribos para que vos conheçais uns aos outros” (Al Hujurat: 13). Porque a pluralidade desses povos não ocorre para a rivalidade e destruição, mas é um convite para a amizade, o afeto e o amor[4].

          Vários outros versículos do Alcorão que ordenam a paz com os não-muçulmanos - se esses mostrarem prontidão e inclinação à conciliação e à paz  testemunham este direcionamento – testemunham este direcionamento pacífico dos muçulmanos. Disse Allah, o Altíssimo: “E, se eles se inclinam à paz, inclina-te, também, a ela, e confia em Allah” (Al Anfal: 61). Este versículo comprova categoricamente o amor dos muçulmanos pela paz e a preferência deles: a paz em vez da guerra. Portanto, sempre que um inimigo se inclinar para a pacificação, os muçulmanos a aceitam enquanto não houver por detrás disso a perda de seus direitos ou o desrespeito de suas vontades.

          Assuddi[5] e Ibn Zaid[6] disseram: “O significado do versículo é: Se eles te convidarem para a conciliação aceite”[7]. E o versículo que sucede este versículo mostra o zelo do Islam para a realização da paz mesmo que os inimigos demonstrem a paz e ocultem a traição. Allah, exaltado seja, diz dirigindo a palavra ao Seu nobre mensageiro: “E se desejam enganar-te, por certo, Allah bastar-te-á. Ele é Quem te apoiou com a Sua vitória e com os crentes” (Al Anfal: 62). Ou seja, Allah providenciará a tua suficiência e a tua proteção[8].

          O mensageiro (a paz esteja com ele) considerava a paz um dos assuntos pelo qual o muçulmano deve zelar em manter e rogava a Allah que a concedesse a ele. Ele dizia em sua prece: “Ó Allah, te peço o bem- estar na vida mundana e na Vida Eterna...”[9]. Certo dia, ele fez um sermão entre os seus companheiros e disse: “Não desejais o encontro do inimigo, e peçam a Allah o bem estar. Mas, se os encontrardes persevereis (tenhais paciência)”[10]. O profeta também odiava a palavra harb (guerra).

 

 


[1] Veja: Ibn Kathir: Tafssir Al Qur’an Al Ádhim (A Interpretação do Magnífico Alcorão) 1/565.

[2] Veja: Muhammad Al Sadiq Afifi: Al Islam wal Álaqat Al Dauliyah (O Islam e as Relações Internacionais) p. 106, e Dhafir Al Qassimi: Al Jihad wal Huquq Al Duliyah fil Islam (O Jihad e os Direitos Internacionais no Islam) p 151.

[3] Mahmud Shaltut: Al Islam, Áqidah ua Shari’ah (O Islam, Crença e Lei), p 453.

[4] Veja: Subhi Al Salih: Al Nudhum Al Islamiyah, Nash’atuha wa Tatawruha (Os Sistemas Islâmicos, Sua Origem e Seu Desenvolvimento), p 520.

[5] Assuddi: Ismail ibn Adburrahman Assuddi (falecido em 128 d.H. / 745 d.C.). É um tabií (geração posterior à geração dos companheiros do Profeta (a paz esteja com ele)), sua origem é do Hijaz (Península Arábica) e viveu em Kufa (no Iraque). Ibn Tagribardi disse sobre ele: Dotado de tafssir e biografia, era um imam conhecedor dos acontecimentos e das histórias das pessoas. Veja: Annujum Azzahirah 1/390.

[6] Ibn Zaid: Abdurrahman ibn Zaid ibn Aslam (falecido em torno de 170 d.H. / 786 d.C.). Sábio do fiqh, hadith e tafssir. Escreveu vários livros, entre os quais: Annassikh ual manssukh, Al Tafssir. Morreu no início do califado de Harun Al Rashid. Veja: Ibn Al Nadim: Al Fahrast 1/315.

[7] Veja: Al Qurtubi: Al Jami’ Li Ahkam Al Qur’an, 4/398,399.

[8] Verifique sobre este significado em Al Qurtubi: Al Jami’ Li Ahkam Al Qur’an 4/400.

[9] Abu Daud: Kitab Al Adab (Livro da Educação) (5074), Ibn Majah (3871), Ahmad (4785) e outros.

[10] Al Bukhari: Kitab Al Jihad wal Siar (2804) e Muslim: Kitab al Jihad wal Siar (1742).