A Ética da Guerra no Islam

A Ética da Guerra no Islam

A Ética da Guerra no Islam

Dr. Ragueb El Serjani

Tradução: Sh Ahmad Mazloum

 

 A boa conduta, o carinho, a misericórdia com o mais fraco, a tolerância com o vizinho e o parente, toda nação realiza isso em tempos de paz, por mais que tenha se aprofundado na barbárie. Porém o bom tratamento na guerra, o carinho com os inimigos, a misericórdia com as mulheres, com as crianças e com os idosos, a tolerância com os derrotados, não é toda nação que pode fazer isso, não é qualquer líder militar que consegue se caracterizar com esses adjetivos. A vista de sangue gera sangue, a inimizade conflagra o fogo do rancor e da ira, a euforia da vitória embriaga os conquistadores e os faz cair nos mais horríveis tipos de vingança e retaliação. Esta é a história dos países antigos e modernos, ainda mais, é a história do ser humano desde quando Caim matou seu irmão Abel: “Quando fizeram ambos oferenda a Allah, e foi aceita a de um deles, e não foi aceita a do outro. Disse este: “Certamente, matar-te-ei”. disse aquele: “Allah aceita, apenas, a oferenda dos piedosos”” (Al Maidah: 27). E aqui, a história põe a coroa da imortalidade sobre os líderes de nossa civilização, militares e civis, conquistadores e governadores, porque entre os grandiosos de todas as civilizações nossos líderes foram únicos na humanidade misericordiosa e justa nas batalhas mais quentes e eliminatórias, nos tempos mais escuros, que levam à vingança, retaliação e derramamento de sangue. E eu juro, se a história não relatasse este exclusivo milagre na história da ética militar de maneira verídica que não deixa margem para dúvidas, eu diria que esta é uma lenda e uma fábula que não existe na terra!”[1]

          Se a paz é a base no Islam, e se a guerra foi legislada no Islam por causa dos motivos e objetivos que citamos, então, o Islam não deixou a guerra assim à toa, sem restrições ou lei. O Islam estabeleceu regras para a guerra que limitam tudo o que a acompanha, com isso tornou a guerra regrada com a ética e não a deixou conduzida pelos desejos. Da mesma forma, tornou a guerra contra os tiranos e agressores, não contra os inocentes e pacificadores. As mais destacadas destas regras éticas estão representadas no que segue:

          É proibido matar mulheres, idosos e crianças: o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) recomendava os líderes dos exércitos a temer a Allah e a estar convicto de que Ele observa, para incentivá-los a cumprir a ética nas guerras. Temos como parte desta recomendação que o profeta (a paz esteja com ele) ordenava evitar a matança de crianças. Buraidah narra que o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) quando designava um líder sobre um exército ou uma legião, lhe recomendava pessoalmente o temor a Allah e o bem em relação a quem estava com ele entre os muçulmanos. E dentre o que ele dizia: “... e não matem nenhuma criança...”[2]. E na versão de Abu Daud: “O mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) dizia: ‘Não matem nenhum idoso, nem criança, nem menor, nem mulher...’”[3].

          É proibido combater os sacerdotes: quando o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) enviava seus exércitos, lhes dizia: “Não matem os habitantes dos monastérios”[4]. A sua recomendação ao exército que se dirigiu a Mu’tah foi: “Lutem em nome de Allah e pela causa de Allah, combatam quem descreu em Allah, lutem e não defraudem, não traiam, não abusem dos cadáveres, não matem crianças, mulheres, idosos e nem matem os isolados em seus monastérios”[5].

          É proibido trair: o profeta (a paz esteja com ele) se despedia dos exércitos recomendando-lhes: “... e não traiam”[6]. Esta recomendação não foi feita para o relacionamento dos muçulmanos com os próprios muçulmanos, mas foi feita para a relação com o inimigo que conspira contra eles, reuniram-se para combatê-los e ele estão a se dirigir para combatê-los! A importância deste assunto para o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) chegou ao ponto de ele se isentar do que fazem os traidores, mesmo que sejam muçulmanos e mesmo que o traído seja incrédulo. O profeta (a paz esteja com ele) disse: “Quem assegurar um homem em sua vida e depois o matar, eu estou em rompimento com o assassino, mesmo que o morto seja um incrédulo”[7]. O valor do cumprimento da palavra se enraizou nos espíritos dos companheiros do profeta (a paz esteja com ele). É narrado que Umar ibn Al Khattab, durante o seu governo foi informado que um dos combatentes disse a um inimigo persa: “Não tema” e, em seguida, o matou. Omar escreveu para o líder do exército:

                    Fui informado alguns de vossos homens buscam o                           inimigo e, quando se protege atemorizado na                                       montanha, este homem lhe diz: “Não tema”. Então                       ele o alcança e o mata. Juro por Aquele em cuja Mão                              está a minha alma! Quando for informado que alguém           fez isso, cortarei o seu pescoço”[8].

 

          É proibido corromper na terra: as guerras dos muçulmanos não foram guerras de destruição como são as guerras contemporâneas, onde os combatentes dos não-muçulmanos zelam em exterminar todas as manifestações de vida em seus adversários. Os muçulmanos sempre tiveram forte empenho em conservar as construções em todos os lugares, mesmo que seja no país de seus inimigos. Isto se esclarece explicitamente nas palavras de Abu Bakr Assiddiq quando recomendou os seus exércitos que se dirigiram para conquistar a Síria. Dentre as palavras narradas neste conselho: “... E não corrompam na terra...”, esta é uma abrangência grandiosa a todo assunto louvável. Também foi narrado em sua recomendação: “Não afoguem nem queimem uma tamareira, não matem um animal, não cortem uma árvore frutífera, não destruam um monastério...”[9]. Estes são detalhamentos que esclarecem o que significa a recomendação de não se corromper na terra, para que o líder do exército não pense que a inimizade de um grupo permite alguns aspectos de corrupção. Portanto, a corrupção, em todos os seus aspectos é um assunto rejeitado no Islam.

          O gasto para o prisioneiro: gastar por causa do prisioneiro e auxiliá-lo é uma das ações pelas quais o muçulmano é recompensado, isso ocorre por causa de sua fraqueza e rompimento com sua família e seu povo, e por causa de sua extrema necessidade de ajuda. O Alcorão Sagrado uniu a probidade prestada a ele com a probidade prestada aos órfãos e pobres: “E cedem o alimento – embora a ele apegados – a um necessitado e a um órfão e a um cativo” (Al Inssan: 8).

          É proibido torturar e esquartejar: o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) proibiu a mutilação, Abdullah ibn Zaid disse: “O profeta (a paz esteja com ele) proibiu o roubo e o abuso”[10]. Ímran ibn Hussain também disse: “O profeta (a paz esteja com ele) nos incentivava a doação, e nos proibia o abuso”[11]. Mesmo com o que ocorreu na batalha de Uhud, quando os idólatras cometeram abuso contra Hamzah, tio do profeta (a paz esteja com ele), ele não alterou o seu princípio e, mais ainda, ele ameaçou os muçulmanos perigosamente se eles abusarem dos cadáveres dos inimigos. Ele disse: “Quem terá castigo mais veemente no dia da ressurreição será um homem que foi morto por um profeta, ou um homem que matou um profeta, um líder de um desvio (imam d. Halalah) e um homem que mutilar um cadáver”[12]. E não foi relatado na história do mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) uma só ocorrência que diz que os muçulmanos abusaram do cadáver de alguém de seus inimigos.

          Esta é a ética militar para os muçulmanos... tal ética que não cancela a honra na rivalidade ou a justiça no relacionamento, nem a humanidade na guerra ou no pós guerra.

 

 


[1] Mustafa al-Sibai: Min. Rawa'i Hadharatiena (Das maravilhas da nossa civilização), p73.

[2] Muslim: Kitab Al Jihad (1731).

[3] Abu Daud: Kitab Al Jihad (2614), Ibn Abi Shaibah, 6 / 483. Al-Baihaqy: al-Sunnan al-Kubra (17932).

[4] (381).

[5] Muslim fez referência ao hadith, sem mencionar a história de Mu'tah em Kitab Al Jihad wal Siar, o capítulo da delegação de líderes e conselhos de ética da guerra (1731). Abu Daud (2613), Al Tirmizhi (1408), Al-Baihaqi (17935).

[6] Muslim: Kitab Al Jihad wal Siar, o capítulo da delegação de líderes e conselhos de ética da guerra (1731), Abu Daud (2613), Al Tirmizhi (1408), Ibn Majah (2857).

[7] Al-Bukhari: al-Tarikh al-Kabir, 3 / 322. Ibn Hibban (5982). Al-Bazzar (2308). Al Tabarany em al-Muajam al-Kabir (64) e em al-Muajam al-Saghir (38).

[8] Al-Muwatta, da narração de Yahya al-Leithi (967), Al-Baihaqy: Ma'refat al-Sunnan Wal-Athar (O conhecimento da Sunnah e Tradições) (5652).

[9] Al-Baihaqi: Al-Sunan Al-Kubra (17904). Al-Tahawy: Sharh Mushkil al-Athar, 3 / 144. Ibn Asakir: Tarikh Dimashq [Histórico de Damasco] 2 / 75.

[10] Al-Bukhari: Kitab Al Madhalim (Livro de Reclamações) (2342). Musnad al-Taialissy (1070). Al-Baihaqy: al-Sunan al-Kubra (14452).

[11] Abu Daud: Kitab Al Jihad,(2667). Musnad Ahmad (20010). Ibn Habban (5616). Abdul-Razzaq (15.819). Al-Abany disse: Sahih (autêntico). Veja: Irwaa al-Ghalil (2230).

[12] Ahmad (3868). Shuayb al-Arna'ut disse ser bom. Al-Tabarani em Al-Kabir (10497). Al-Bazzar (1728). Al-Abany disse: Sahih (autêntico). Veja: Al-Silsilah al-Sahihah (281).