Os Evangelhos e o Alcorão Sagrado

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27/05/2020

Tanto o Cristianismo como o Islam alegam serem religiões reveladas, Jesus (que a Paz esteja sobre ele) declarou que a Mensagem que ele estava trazendo não era dele e sim de Deus.

Ele descreveu a si mesmo como:

“Um homem que lhe disse a verdade, a qual escutei de Deus.” (João 8:40).

“Eu não falei por mim; mas o Pai que me enviou, Ele me ordenou quanto ao que eu deveria dizer o que eu deveria falar.” (João 12:49).

Do mesmo modo, alega-se no Alcorão que a revelação que veio ao Profeta Muhammad (que a Paz e Bênção de Deus estejam sobre ele); proveio do Senhor do Universo: 

“Certamente (este Alcorão) é uma revelação do Senhor do Universo. Com ele desceu o Espírito Fiel, para o teu coração (Ó Muhammad), para que sejas um dos admoestadores.” (Alcorão Sagrado 26:192 ao 194).
De onde se segue que a verdade de qualquer dessas (duas) religiões depende da precisão com que as palavras inspiradas do seu (respectivo) fundador foram preservadas e na pureza textual de sua Escritura. Se a Mensagem que foi revelada por Deus a um Profeta não nos chegou exatamente corno foi revelada, sendo ao invés deturpada e alterada, então, nesse contexto, essa religião pode se considerar ter-se desviado da verdade.

 Neste capítulo veremos até aonde as palavras e revelações inspiradas de Jesus e de Muhammad (que a Paz e Bênção de Deus estejam sobre eles); foram fielmente preservadas nos Evangelhos e no Alcorão, respectivamente, e até que ponto estas Escrituras permaneceram isentas de alterações ou interpolações de qualquer espécie.
Composição e Natureza dos Evangelhos

Há quatro Evangelhos inclusos na Bíblia; os Evangelhos segundo Mateus, Marcos, Lucas e João. Encontramos muitos dos ditados inspirados de Jesus (que a Paz esteja sobre ele); nesses Evangelhos.

Eles foram compostos entre quarenta e oitenta anos depois da passagem de Jesus (que a paz esteja sobre ele), baseados em alguns documentos anteriores que hoje estão perdidos. Os estudiosos da Bíblia identificaram alguns desses documentos como sendo:

(1)- “Q” (Quelle do alemão = ‘’Fonte’’), um documento escrito em Aramaico, e hoje perdido, que alcançou aos escritores dos Evangelhos na forma de uma tradução para o Grego; 

(2)- “Urmarcus” = Marcos Primitivo, um esboço anterior do Evangelho de Marcos, escrito com base nas narrações de Pedro sobre Jesus;

(3)- “L”, uma coleção de relatos sobre Jesus usados somente por Lucas. Uma comparação entre os Evangelhos nos mostrará que seus autores usaram tais documentos perdidos, de uma maneira uma tanto aleatória; eles nem hesitaram sequer de mudar algumas coisas contidas neles para moldar o texto aos seus próprios propósitos.

 O primeiro Evangelho escrito foi o de Marcos, ele foi escrito em Roma pelo menos quarenta anos depois da assim chamada crucificação de Jesus (que a Paz esteja sobre ele). O Evangelho, como o temos hoje, é considerado uma versão ampliada do Urmarcus, sobre o qual Papias, um dos primeiros escritores cristãos, teve para dizer o seguinte:

“O velho João costumava dizer, tendo Marcos se transformado no intérprete de Pedro, ele escreveu pormenorizadamente tudo que conseguia lembrar. Mas essas recordações não estavam, entretanto, na ordem exata em que aquele relatara os ditados e os atos de Cristo. Pois ele nem ouvira nem acompanhara o Senhor, mas aliara-se, como eu já disse, posteriormente a Pedro, que costumava adaptar seus ensinamentos às necessidades dos seus ouvintes, e não para transmitir uma narrativa contínua dos sermões do Senhor.”(1)

Não é possível dizer se o Urmarcus foi ampliado e revisto para nos dar o Evangelho de Marcos como o temos pelo próprio Marcos ou por alguma outra pessoa. O Dr. C. J. Cadoux, que era Professor de História da Igreja em Oxford, assim resumiu as conclusões de eminentes estudiosos da Bíblia a respeito da natureza e composição desse Evangelho: 

“Ele foi escrito depois do martírio de Pedro (65 d.C.), e numa época em que Marcos, não tendo ele próprio sido discípulo de Jesus, aparentemente não tinha a mão nenhum dos discípulos pessoais de Jesus a cujos conhecimentos ele poderia referendar sua narrativa. Tais condições desta composição explicam a existência nela, lado a lado, de inúmeros sinais de precisão e um certo número de sinais de desconhecimento e de imprecisão.” (2)

O Evangelho de Mateus foi escrito em Grego, na Antioquia, cerca de 90 d.C. O autor fez uso de pelo menos dois documentos perdidos o “Q” e o “Urmarcus”. Nenhum estudioso independente considera esse Evangelho como sendo obra do Mateus apóstolo de Jesus. Se Mateus escreveu alguma coisa, com certeza deve ter sido o “Q”. Quanto às liberdades que o autor desconhecido desse Evangelho tomou com o material original, C. J. Cadoux escreve: 

“Um exame mais apurado do tratamento que ele dá ao material tomado de empréstimo de Marcos, mostra que ele se permitiu ampla liberdade de editar e florear esse material para ressaltar o que ele considerava jubilar mais dignamente ao grande Mestre. As mesmas tendências são freqüentemente visíveis também alhures ao ele desenvolver a partir do “Q” ou acrescentando suas próprias criações. Qualquer aspecto, portanto, proveniente exclusivamente do texto do “Mateus”, só pode ser aceito como historicamente legítimo somente com muita cautela. ” (3)

 O terceiro Evangelho, o Evangelho de Lucas, foi escrito em algum lugar da Grécia em torno do ano 80 d.C. destinado ao uso de Theophilus, “o mais excelente”, que era provavelmente algum importante funcionário do Império Romano. Ele é basicamente uma apologia endereçada a não-judeus. 

O escritor, que era amigo e companheiro de viagem de Paulo, fez uso de pelo menos três documentos perdidos, dois dos quais eram idênticos aos usados pelo escritor do Evangelho de Mateus e o terceiro era um texto a parte. Lucas, que queria adaptar seu Evangelho alinhado com o ponto de vista Paulino, tomou liberdade ainda maior com as suas fontes do que havia feito o escritor do Evangelho de Mateus com as dele. 

Os Evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas são chamados de “os Evangelhos Sinóticos”, porque eles partem de um mesmo documento perdido e têm multa coisa em comum já o Evangelho de João é muito diferente deles. A divindade e a pré-existência de Jesus (que a Paz esteja sobre ele); são afirmadas tão-somente nesse Evangelho, apesar de jamais como alegação apresentada pelo próprio Jesus (que a Paz esteja sobre ele). 

Nas linhas iniciais o autor deste Evangelho estabelece a afirmação de que o Logos divino, a Palavra ou Razão de Deus, que havia dado origem ao mundo, havia-se encarnado em Jesus (que a Paz esteja sobre ele). O Evangelho de João foi escrito em ou próximo de Efêso entre os anos 110 e 115 da era Cristã, por algum escritor desconhecido que tinha inclinações anti-semíticas e apresentava os judeus como inimigos de Jesus (que a Paz esteja sobre ele).

Nenhum estudioso descomprometido considerado como sendo a obra de João o filho de Zebedeu, o qual, de acordo com R. H. Charles, Alfred Loisy, Robert Eisler e outros eruditos, foi decapitado por Agripa I no ano 44 d.C., muito antes do Quarto Evangelho ter sido escrito. Os estudiosos modernos da Bíblia duvidam da autenticidade não apenas dos pontos de vista próprios do escritor expressados neste Evangelho, como também das palavras que ele põe na boca de Jesus (que a Paz esteja sobre ele); C. J. Cadoux escreve:

“Os discursos no Quarto Evangelho (mesmo à parte da afirmação messiânica da abertura) são tão diferentes dos Sinóticos, e tão parecidos aos comentários do próprio Quarto Evangelista, que nenhum pode igualmente ser confiável como registro do que Jesus teria dito; a veracidade literária dos tempos antigos não proibia, como faz agora, a atribuição de discursos falsos a personagens históricos; os melhores historiadores da antiguidade praticavam contumasmente a composição e atribuição de discursos dessa maneira.” (4)

A Inconfiabilidade dos Evangelhos

Os Evangelhos foram compostos depois que os primeiros cristãos haviam-se dividido em diferentes correntes. Eles foram, na verdade, compostos para propagar os ensinamentos especiais das várias escolas e seus autores não hesitaram em adaptar os documentos anteriores e outros materiais tradicionais a respeito dá vida e dos ensinamentos de Jesus (que a Paz esteja sobre ele), para alinhá-los com os pontos de vista das suas respectivas escolas. O Rev. T. G. Tucker, escreve:

“Assim, produziram-se Evangelhos que claramente refletiam a concepção à luz das necessidades práticas da comunidade para qual eram dirigidos. Neles, o material tradicional era utilizado sim, mas não existia escrúpulo em adulterá-lo ou de lhe fazer acréscimos, ou em omitir aquilo que não servisse aos propósitos de quem escrevia.”(5)

Os quatro Evangelhos incluídos na Bíblia não eram os únicos Evangelhos escritos nos primeiros séculos do Cristianismo. Houve muitos outros, inclusive aquele chamado de “O Evangelho Segundo os Hebreus”, uma obra aramaica, usada pelos nazarenos (como se chamavam os primeiros discípulos de Jesus), que negavam a divindade de Jesus (que a Paz esteja sobre ele), e o consideravam tão-somente como um grande profeta. 

Ao final do segundo século, os Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João foram incluídos no “Cânon” e os demais foram declarados heréticos ou apócrifos pela Igreja, Antes deles serem canonizados e aceitos como escrituras, os Evangelhos não possuíam a consagração que têm agora, e ninguém sentia qualquer escrúpulo ao alterá-las se algo que contivessem não servia aos seus propósitos ou aos propósitos da sua seita. 

Mesmo depois que eles foram incluídos no Cânon e declarados como sendo a Palavra de Deus, as mudanças continuaram a ser feitas neles, como está claro da comparação de diferentes manuscritos antigos existentes. Referindo-se a isto, o Professor Dummelow de Cambridge escreve no seu famoso comentário sobre a Bíblia Sagrada:

“Um copista não raro incluía não o que estava no texto, mas o que ele achava que devia estar nele. Ele confiava numa memória volúvel, ou configurava o texto de acordo com os pontos de vista da escola a que pertencesse. Além das versões e citações dos Pais do Cristianismo, sabia-se existirem quase quatro mil manuscritos gregos do Testamento. Como resulta disso, a variedade de (interpretações) é considerável.’’ (6) 

Para considerarmos até que ponto os quatro Evangelhos Canônicos representam fielmente a mensagem inspirada ou Evangelhos de Jesus, precisamos ter em mente os seguintes fatos: 

(1) de que não se fez nenhuma cópia dos ditos inspirados de Jesus durante a sua vida;

(2) que os registros mais antigos dos ditos de Jesus, que foram feitos logo após a passagem de Jesus, quando já havia-se iniciado a glorificação dele, também foram irrecuperavelmente perdidos;

(3) que nos Evangelhos, que foram escritos entre 70 e 115 d.C., baseados em alguns desses documentos perdidos, o material inserido neles foi manipulado com desenvoltura e liberalidade, não tendo os escritores dos Evangelhos qualquer indecisão em modificá-lo para expressar aquilo que eles considerassem condizer e conduzir à maior glória de Cristo ou para alinhá-lo aos pontos de vista das seitas de que fossem adeptos;

(4) que nenhum dos evangelistas conhecera Jesus ou mesmo o ouvira falar;

(5) que os Evangelhos foram escritos em grego, enquanto que o idioma falado por Jesus era o aramaico;

(6) que eles foram escritos para propagar os pontos de vista das diferentes facções e foram escolhidos entre muitos outros que representam pontos de vista ainda mais divergentes;

(7) que, por pelo menos um século, após terem sido escritos, eles não possuíam qualquer autoridade canônica, e podiam e foram realmente modificados pelos copistas das diferentes seitas para servir a propósitos próprios deles;

(8) que os manuscritos extensos mais antigos dos Evangelhos – Codex Sinaiticus, Codex Vaticanus e o Codex Alexandrinus – pertencem ao quarto e quinto séculos, e ninguém sabe o quanto realmente os Evangelhos foram alterados no curso de tempo em que inexistiu qualquer manuscrito;

(9) que existem divergências consideráveis entre os diversos manuscritos existentes do quarto e quinto século; e finalmente;

(10) que os Evangelhos, vistos como um todo, estão repletos de contradições.

Esses fatos, revelados por eméritos eruditos ocidentais, demonstram que o Evangelho de Jesus, aquele que foi a Mensagem que Jesus havia recebido de Deus, não chegou até nós em sua forma original. Os quatro Evangelhos incluídos na Bíblia não podem ser considerados idênticos ao Evangelho inspirado de Jesus(que a Paz esteja sobre ele). 

O modo em que foram escritos e as circunstâncias pelas quais passaram são de tal ordem que eles não podem nos servir como fontes de conhecimento exato do que Jesus realmente havia dito e ensinado. C.J. Cadoux resume esta posição da seguinte forma no seu livro.- “A Vida de Jesus” – : 

“Nos quatro Evangelhos, portanto, os documentos principais aos quais devemos nos reportar, se quisermos preencher o esqueleto formulado por eles, de outras fontes, ainda assim nos defrontamos com material de qualidade e confiabilidade altamente divergente e duvidosa. Tão profunda é a incerteza desse, que somos tentados a desistir prontamente e a declarar a tarefa como impossível. As inconsistências históricas e as improbabilidades em trechos dos Evangelhos formam alguns dos argumentos com que se favorece a teoria do mito de Cristo. Estas são, entretanto, totalmente contrapesadas -como já demonstramos- por outras considerações. Ainda assim, as discordâncias e incertezas que restam são graves e conseqüentemente, muitos contemporâneos, mesmo não tendo qualquer dúvida da existência real de Jesus, vêem como impossível qualquer tentativa de desassociar a verdade histórica do conteúdo mítico ou legendário presente nos Evangelhos, para que se pudesse reconstruir a história da missão de Jesus a partir dos resíduos históricos que se pudesse extrair.” (7)

A Autenticidade do Alcorão

Por outro lado, não existem dúvidas dessa ordem quanto ao Alcorão. Este não contém nada além das revelações recebidas pelo Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus estejam sobre ele). As revelações vieram a ele em fragmentos e periodicamente.

Tão logo ele recebia uma delas, ele a comunicava aos seus discípulos e lhes pedia de não apenas gravá-la na memória, mas também de a preservar por escrito. Em tais ocasiões, ele indicava de maneira precisa, o lugar a que a revelação pertencia no contexto. Assim, o Alcorão completo foi preservado em forma escrita como também nos corações de centenas de pessoas durante o tempo de vida do Profeta.

Após o falecimento do Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus estejam sobre ele), Abu Bakr, o primeiro Califa, encarregou Zaid Ibn Sábit de preparar uma transcrição autêntica de todo o texto em forma de livro. Os companheiros do Profeta haviam escrito as revelações transmitidas pelo Profeta em pergaminhos ou pedaços de couro.

Zaid Ibn Sábit recolheu todos eles e, após compará-los com o que os seguidores do Profeta haviam aprendido de cor, compilaram uma transcrição, chamada de Mus’haf (folhas encadernadas), sobre cuja autenticidade ou exatidão não existe absolutamente nenhuma dúvida.

Por ordem de Uthman, o terceiro Califa, sete cópias da edição Mus’haf do Sagrado Alcorão, mais uma vez confirmado pela memória daqueles que o haviam decorado (háfiz), foram confeccionadas e distribuídas entre os diversos centros do vasto mundo islâmico.

Uma dessas sete cópias ainda existe conservada em Tashkant. O governo Kzarista da Rússia fez publicá-la em uma edição fac-símile; e por esta, podemos constatar que há identidade total entre essa cópia e o texto editado e usado em todo o mundo. O mesmo é igualmente verdadeiro no tocante a todos os manuscritos existentes do Alcorão, sejam completos ou fragmentados, datados do primeiro século da era muçulmana. 

Desde os tempos do Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus estejam sobre ele); até os nossos dias, a prática de aprender o Alcorão inteiro de memória continuou ininterrupta, e o número dos huffaz (que sabem o Alcorão de cor) hoje pode ser contado no mundo em centenas de milhares.

O resultado disso é que, nenhum estudioso, seja oriental ou ocidental, seja muçulmano ou não-muçulmano, jamais lançou qualquer dúvida sobre a pureza do texto do Sagrado Alcorão. Mesmo um crítico tão hostil quanto Sir William Muir assim escreve sobre o Alcorão.

“Provavelmente não existe no mundo qualquer outro livro que tenha permanecido por doze séculos com um texto tão imaculado.” (8)