A Liberdade Pessoal e a Libertação dos Escravos no Islam

A Liberdade Pessoal e a Libertação dos Escravos no Islam

Dr. Ragueb El Serjani

Tradução: Sh. Ahmad Mazloum

 

        O Islam chegou para devolver a honra às pessoas – de variadas nacionalidades e cores –, assim, igualou entre todos os humanos e fez do temor a Allah a razão de distinção entre eles. Depois da conquista de Makkah, o mensageiro (a paz esteja com ele) destruiu as diferenças de cor e raça, e eliminou terminantemente o racismo quando elevou Bilal ibn Rabah acima da Kaabah (Casa Sagrada) para bradar a palavra do monoteísmo e, antes disso, ele irmanizou entre seu tio Hamzah e seu servo Zaid.

 

A peregrinação de despedida e o princípio da igualdade

          O mensageiro (a paz esteja com ele) publicou na peregrinação de despedida estes princípios dizendo: “Vós sois filhos de Adão, e Adão é da terra. Nenhum árabe é melhor que um não árabe, nenhum negro é melhor que um vermelho e vice versa, exceto pela piedade”[1]. Assim, ocorreu a convocação para a liberdade pessoal e para a eliminação da escravidão.

          Inicialmente, as pessoas são livres e não são escravas, porque são atribuídas a um só pai e consideradas livres por causa da natureza de seu nascimento... o Islam determinou esta diretriz numa época em que as pessoas eram escravizadas e experimentaram variados tipos de humilhação e escravidão!

 

O Islam e a libertação dos escravos

          A humanidade, antes do surgimento do Islam, viveu sob o domínio de sociedades e civilizações manchadas por sistemas opressivos de cidadania, baseadas na visão tribal de horizonte estreito e na distinção de classes gritante que divide os grupos humanos em classes variadas, eleva-se à cúpula dessas classes os livres que usufruem de todos os direitos de soberania e autoridade, e os escravos são esmagados – são destituídos de direitos e a sobrevivência digna – debaixo dela sem misericórdia ou piedade.

          E o Islam chegou incentivando os crentes a libertar os escravos de maneira beneficente, denominou esta libertação de benção e perdão e considerou-a das mais nobres ações. Convocou os crentes a libertarem os escravos com suas riquezas particulares, fez da libertação do escravo uma expiação para a sua injustiça ou agressão e uma expiação para vários erros, como: o assassinato culposo (sem intenção de matar); azzhihar (um tipo de desquite); o descumprir do juramento; quebrar o jejum no mês de Ramadan. Também ordenou o auxílio dos escravos que  solicitassem um “contrato de libertação” e fez da libertação dos escravos um dos canais onde o zakat deve ser investido. E também libertou a mulher que tem um filho com seu senhor depois de sua morte.

 

A estratégia do Islam para tratar o problema da escravidão

          Podemos resumir a sábia estratégia do Islam no tratamento deste problema humano em três pontos:

 

  1. Barrou as fontes de escravidão e as proibiu, exceto a escravatura de guerra;
  2. Expandiu os canais de libertação;
  3. Protegeu os direitos do escravo depois de sua libertação.

 

A lei islâmica incentivou a emergente sociedade islâmica a libertar os escravos, prometendo grande recompensa na Vida Eterna. Abu Hurairah narra que o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) disse: “Quem libertar um escravo, Allah libertará por cada órgão dele um de seus órgãos do fogo do Inferno, até mesmo seu órgão sexual por seu órgão sexual”[2].

          O profeta (a paz esteja com ele) também incentivou a libertação das servas e o casamento com elas. Abu Mussa Al Asshári narra que o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) disse: “Todo homem que tiver uma serva, a ensinar perfeitamente e a educar perfeitamente e, em seguida, a libertar e casar-se com ela terá duas recompensas...”[3]. O mensageiro (a paz esteja com ele) casou com Safiah bint Huiai ibn Akhtab e fez de sua libertação seu dote[4].

          E as recomendações do mensageiro (a paz esteja com ele) a favor dos escravos foi uma das chaves de reabilitação da sociedade para aceitar a sua libertação. Ele incentivou o bom trato para com eles mesmo que seja nos termos e expressões utilizadas. Disse o profeta (a paz esteja com ele): “Não dizei: meu servo e minha serva. Todos vós sois servos de Allah, e todas as vossas esposas sois servas de Allah. Mas dizei: Meu menino e minha menina”[5].

          O Islam também tornou obrigatória a alimentação e veste dos servos igual à alimentação e veste dos donos da casa, e que não seja encarregados daquilo que não são capazes de fazer. Jabir ibn Abdullah narra que o profeta (a paz esteja com ele) recomendava a bondade para com os servos e dizia: “...os alimentem do que vós comeis, e os vistam de vossas vestes, e não castigueis a criação de Allah, exaltado seja,...”[6]. Entre outros direitos que fizeram dos escravos seres humano que tem dignidade que não pode ser agredida.

          E em outra etapa importante, o Islam fez da libertação dos escravos uma punição contra quem os agride, para se transferir na sociedade à etapa da libertação real. Abdullah ibn Omar bateu em um servo dele, o chamou e observou marcas em suas costas e, então, disse-lhe: “Eu te fiz sentir dor?” O menino respondeu: “Não”. Abdullah disse: “Então, tu és livre”. Em seguida, tomou algo do chão e disse: “Não terei recompensa por nem pelo peso disso. Eu ouvi o mensageiro de Allah (a paz esteja com ele) dizer: “Quem agredir um servo seu sem merecer punição ou o bater, sua expiação será a sua libertação’”[7].

          O Islam também fez da pronúncia da libertação uma expressão que obriga a aplicação imediata. Disse o mensageiro (a paz esteja com ele): “Três coisas, sua seriedade é séria e sua brincadeira é séria: o desquite, o casamento e a libertação”[8].

          A libertação dos escravos também foi considerada no Islam um dos meios de expiação dos erros e pecados. Isto é uma ação direta para a libertação do maior número possível deles, porque os pecados não cessam, todo ser humano é errante. Sobre isso, o mensageiro (a paz esteja com ele) disse:

 

“Todo muçulmano que libertar um indivíduo muçulmano, ele lhe será uma libertação do fogo, cada órgão dele representará um órgão dele. E todo indivíduo muçulmano que libertar duas mulheres muçulmanas, elas lhe serão uma libertação do fogo, cada órgão delas representará um órgão dele. E toda mulher muçulmana que libertar uma mulher muçulmana esta lhe será uma libertação do fogo, cada órgão dela representará um órgão dela”[9].

 

          O Islam também deu aos escravos a possibilidade de retomarem sua liberdade com al mukatabah, que significa um contrato de libertação, a libertação do servo lhe é concedida em troca de um valor tratado com o seu senhor. A base é a liberdade, e a escravidão é uma ocorrência posterior, por isso, o Islam tornou obrigatório o auxílio a esta pessoa no pagamento de sua libertação. E o profeta (a paz esteja com ele) foi o exemplo neste auxílio, ele pagou por Juairiah bint Al Harith o que ela prescreveu e casou-se com ela. Quando os muçulmanos ouviram sobre o casamento do profeta (a paz esteja com ele) com ela, libertaram os prisioneiros que tinham em suas mãos e disseram: “São parentes do mensageiro de Allah (a paz esteja com ele)” e foram libertação por sua causa cem famílias de Banil Musstaliq[10].

          Mais ainda, a libertação dos escravos é um dos canais que merecem receber da doação do zakat (que é obrigatório no Islam). Disse Allah, o Altíssimo: “As doações são, apenas, para os pobres e os necessitados e os encarregados de arrecadá-las e aquele, cujos corações estão prestes a harmonizar-se com o Islam e os escravos, para serem libertos...”(Attaubah: 60).

          E é narrado que o mensageiro (a paz esteja com ele) libertou 63 pessoas, Áíshah 69 pessoas, Abu Bakr libertou muitas pessoas, Al Ábbass libertou 70 servos, Othman libertou 20, Hakim ibn Hizam libertou 100, Abdullah ibn Omar libertou 1000, Abdurrahman ibn Áuf libertou 30 mil pessoas[11].

          Esta política islâmica teve sucesso na alta diminuição do comércio de escravos e, em seguida interrompeu-se completamente. E nas últimas eras islâmicas o Islam elevou os escravos da escravidão para o auge da autoridade política e militar, e o melhor exemplo disso é o governo dos mamelucos (al mamalik), que controlou uma grande parte dos territórios muçulmanos durante cerca de trezentos anos! Isto, sem dúvida, não tem fato similar na história do mundo.

 


[1] Relatado por Ahmad (23536), Al Tabarani (14444) e Al Baihaqi (4921).

[2] Al Bukhari: Livro das expiações dos juramentos (6337) e Muslim: Livro da virtude da libertação (1509).

[3] Al Bukhari: Livro do Casamento (4795).

[4] Al Bukhari: Livro das Batalhas (3965) e Muslim: Livro do Casamento (1365).

[5] Al Bukhari da narração de Abu Hurairah (2414) e Muslim (2249).

[6] Muslim (1661), Ahmad (21521) e Al Bukhari em Al Adab Al Mufrad 1/76.

[7] Muslim (1657), Abu Daud (5168) e Ahmad (5051).

[8] Musnad Al Harith (503). Relatado por Al Baihaqi da narração de Umar ibn Al Khattab 7/341.

[9] Muslim (1509), Attirmizhi (1547) e Ibn Majah (2522).

[10] Al Salihi Al Shami: Subul Al Huda wal Rashad 11/210, Al Suhaili: Al Raudh Al Anif 4/18 e Ibn Kathir: Al Sirah Al Nabauiah 3/303.

[11] Al Kattani enumerou esses dados em seu livro: Al Taratib Al Idariah p 94,95.