O Sistema Experimental na Civilização Islâmica

O Sistema Experimental na Civilização Islâmica

 

O Sistema Experimental na Civilização Islâmica

Dr. Ragueb El Serjani

Tradução: Sh. Ahmad Mazloum

 

O Islam surgiu com uma nova visão sobre o conhecimento, diferente das visões existentes nas civilizações anteriores. A situação não se limitou a isso, porque esta nova visão científica dirigiu os muçulmanos e os impulsionou para a descoberta de fundamentos científicos essenciais, considerados parte central da pesquisa científica e que também não existiam antes!

 

O papel dos cientistas muçulmanos na descoberta do método experimental

     O sistema científico experimental sóbrio na pesquisa é baseado na contagem, na visão, na experiência e na representação. O alcance desse sistema é considerado uma enorme adição islâmica na caminhada da ciência no mundo.

          É um sistema totalmente diferente do que havia entre os gregos, os indianos e outros. Essas civilizações, muitas vezes, abastavam-se com a suposição de teoria sem tentar prová-las cientificamente. Geralmente, eram matérias teóricas que não tinham aplicação na maioria das vezes, mesmo que fossem teorias verdadeiras. Isso resultava numa grande confusão entre as teorias verdadeiras e as teorias falsas. Até que os muçulmanos criaram a maneira experimental no uso dos dados científicos e universais ao seu redor, o que resultou na criação das regras do sistema científico experimental, ao qual a ciência moderna ainda segue.

          Os muçulmanos aplicaram o sistema experimental sobre as teorias anteriores sem considerar o nome do dono da teoria, por mais que fosse famoso, o que resultou na descoberta de muitos erros herdados pelos cientistas durante sucessivos séculos.

          Portanto os muçulmanos não faziam apenas a crítica e teste das teorias antigas, mas muitas vezes, faziam novas suposições, em seguida, as testavam até que esta suposição se tornasse uma teoria – se for provada a sua proximidade da realidade. Em seguida, testavam a teoria até que se provasse para eles finalmente que ela se tornou uma realidade e não é mais uma teoria. E em busca disso, eles faziam muitos testes, sem cansar nem enjoar.

 

Exemplos de cientistas muçulmanos que usaram o método experimental

           Entre os cientistas muçulmanos que tiveram longa tradição nesta área, estão Jabir ibn Hayian[1], Al- Khawarismi, Al-Razi[2], Al-Hassan ibn Al-Haitham (Alhazen)[3], Ibn Al-Nafis[4], e muitos outros.

     Jabir ibn Hayian, considerado o sheikh dos químicos, declarou: “O primordial na química é a experimentação. Aquele que não pratica a experimentação nunca dominará a química”[5]. Em seu livro Al Khauass al kabir (As propriedades), no primeiro artigo, disse: “Citamos nestes livros somente as propriedades do que vimos, e não do que ouvimos ou nos foi dito e lemos, após termos examinado e experimentado. O que é verdade citamos e o que é falso recusamos, e o que nós extraímos também medimos com as condições deste povo”[6].

Por isso, Jabir é considerado o primeiro a introduzir o experimento científico e laboratorial no sistema de pesquisa científica cujas regras ele fundamentou. Às vezes, ele denominava o experimento como habilidade. Ele dizia: “Quem é hábil é sábio de verdade, e quem não é hábil não é sábio. E te basta que a habilidade em todas as ciências o fato de que o cientista hábil aprimora, e o não hábil prejudica!!”[7]

Assim, Jabir deu um passo muito mais largo que os cientistas gregos antes dele no estabelecimento da experimentação como base do trabalho, e não a reflexão silenciosa. Qadri Toqan disse: “Jabir se destaca entre os outros cientistas porque é o primeiro a fazer experiências sobre base prática, esta é a base que seguimos hoje nos laboratórios. Ele incentivou a preocupação com o experimento com observação precisa, e também estimulou o cuidado e não precipitação declarando: o dever de quem se ocupa com a química é trabalhar e fazer experiências, o conhecimento só é alcançado através das experiências”[8].

 E Al-Razi pode ser o primeiro médico no mundo a fazer uso deste sistema experimental, através das experiências com animais, principalmente os macacos, para o ensaio de novos métodos de tratamento antes serem aplicadas no ser humano. Este é um sistema científico magnífico que só foi aprovado pelo mundo a pouco tempo. Ele declarou em sua abordagem: “Quando o fato que nos afronta está em contradição com a teoria predominante, é um dever aceitar o fato, mesmo que todos tenham seguido as teorias predominantes apoiando os famosos cientistas ...”[9]. Ele determina que todo mundo pode ficar fascinado com as opiniões dos grandes e famosos cientistas e parar em suas teorias, porém, às vezes, o experimento contraria a teoria.  Aqui, nós devemos recusar a teoria – mesmo que seja formulada por famosos cientistas – e aceitar o experimento e a realidade, iniciar a sua análise e se beneficiar com ela.

Também, por causa da abordagem experimental, os livros de Alhazen estão cheios de críticas contra as teorias de Euclides[10] e de Ptolomeu[11]. Ele esclareceu resumidamente como ele concluiu através de seu pensamento qual é a maneira exemplar para a pesquisa, a qual ele seguiu em suas pesquisas. Alhazen disse:

 

 

 Iniciamos a pesquisa com a observação dos seres e com a verificação das condições das coisas visíveis, com a distinção das propriedades das moléculas, e selecionamos com raciocínio indutivo o que diz respeito à visão no caso do avistar, o que é constante e não muda, é aparente e não se suspeita através dos sentidos, em seguida, subimos gradativamente e ordinariamente na pesquisa e nas medidas com a crítica das iniciações e com reserva nos resultados. E fazemos do uso da justiça o nosso objetivo em tudo que analisamos e verificamos, e não o seguir dos caprichos, e buscamos a verdade em tudo que distinguimos e criticamos, e não a tendência às opiniões dos outros[12].

 

      Portanto, em suas pesquisas, Alhazen fez uso da análise e da semelhança, e em algumas pesquisas deu atenção à representação. Esses são elementos das pesquisas científicas modernas. E Alhazen – sendo um dos sábios muçulmanos que fundaram o método experimental – não só se antecedeu a Francis Bacon[13] em seu método de experimentação pelo raciocínio indutivo, mas se sobrelevou a ele, e tinha horizonte mais amplo e pensamento mais profundo, mesmo que ele não tenha trabalhado a filosofia teórica, como fez Bacon.

          O professor Mustafa Nadhif[14] vai além disse e declara: “Mais ainda, Alhazen se aprofundou em seu pensamento a um extremo mais profundo do que podemos imaginar a princípio, ele assimilou aquilo que foi declarado por Mike e por Karl Pearson[15] e outros filósofos contemporâneos do século XX, e compreendeu o modo correto da teoria científica e compreendeu o seu correto emprego conforme o significado moderno”[16].

          Alguns escritores muçulmanos ainda consideraram que a escrita não é precisa se não for antecedida de experiências. Al Jaldaki[17] (cientista e químico do século VIII hijri (século XIV cristão) disse sobre Al Tughraí[18] (químico famoso falecido em 513 d.H.): “Ele era um homem extremamente inteligente, porém fez poucas experiências. Isso faz de suas escritas imprecisas”[19].

          Desta maneira, os muçulmanos chegaram ao método científico experimental, através do qual a humanidade aprendeu como chega à realidade científica com confiança e habilidade, longe das hipóteses, ilusões e caprichos.

 

 


 

[1] Jabir ibn Hayian: Abu Mussa Jabir ibn Hayian ibn Abdullah Al Kufi (falecido em 200 d.H. / 815 d.C.), filósofo, químico, era conhecido como Al Sufi. É do povo de Kufa, original de Kharasan e falecido em Tus. Veja: Ibn Al Nadim: Al Fihrast, p. 498 -503 e Al Zarkali: Al A’alam 2/103.

[2] Al Razi: Abu Bakr Muhammad ibn Zakaria Al Razi (251 – 313 d.H. / 865 – 925 d.C.), o médico filósofo. Nasceu em Rayi e faleceu em Bagdá. Entre os seus livros: Al haui fi al tib (O Abrangente em Medicina). Veja:  Ibn Al Nadim: Al Fihrast, p. 415 – 417 e Al Safadi: Al Wafi bil Wafyiat 3/62.

[3] Al Hassan ibn Al Haitham (Alhazen): Abu Ali Muhammad ibn Al Hassan ibn Al Haitham (354 – 430 d.H. / 965 – 1039 d.C.). É chamado Ptolomeu segundo. Grande sábio, matemático, engenheiro e médico. Nasceu em Basra e faleceu no Cairo. Veja: Ibn Abu U’ssaibi’ah: U’iun al Anba 3/372-376 e Kahalah: Mu’jam al Muállifin 9/225,226.

[4] Ibn Al Nafis: Ála Al Din Ali ibn Abu Al Hazm Al Qarshi (falecido em 687 d.H. / 1288 d.C.). O mais sábio em medicina em sua época. Sua origem é de uma cidade chamada Qarsh, nasceu em Damasco e morreu no Egito. Veja: Ibn Al Imad: Shuzhurat Al Zhahab 5/400,401.

[5] Jabir ibn Hayian: Kitab Al Tajrid. Citado em uma série de escritos revisados e publicados por Holemyard com o título: Escritos de Química do Sábio Jabir ibn Hayian, Paris 1928.

[6] Jabir ibn Hayian: Kitab Al Khawass Al Kabir, p 232.

[7] Jabir ibn Hayian: Kitab Al Sab’in, p 464.

[8] Qadri Toqan: Maqam Al Áql índ Al Árab (O status do raciocínio entre os árabes), p 217, 218.

[9] Ibn Abu U’ssaibi’ah: Tabaqat Al Atibba (Classificação dos Médicos) 1/77,78.

[10] Euclides: (325 a.C. – 265 a.C.) Matemático grego considerado fundador da geometria. Seu livro mais conhecido é o “Livro dos Elementos”.

[11] Ptolomeu: Cláudio Ptolomeu (83 – 161 d.C.) O mais conhecido dos astrônomos gregos. É um astrônomo, matemático e filósofo. É conhecido como Ptolomeu, o sábio. Há divergências se ele é grego ou egípcio. Seu livro mais famoso é “Almagesto”, um famoso tratado de astronomia.

[12] Ibn Al Haitham: Al Manadhir, revisão do Dr. Abdul Hamid Sabra, p 62.

[13] Francis Bacon: (1561 – 1626 d.C.) Filósofo, estadista e escritor inglês. É conhecido no Ocidente como o fundador da ciência experimental baseada na observação e conclusão e como o filósofo que recusou a lógica aristotélica.

[14] Mustafa Nadhif: (1893 – 1971) Um dos mais destacados sábios egípcios no século XX. Se especializou em medicina e física e tinha grande interesse pelo patrimônio científico da civilização islâmica, e deu atenção exclusiva ao patrimônio de Al Hassan ibn Al Haitham. Foi um dos primeiros que exigiram a “arabização” das ciências.

[15] Karl Pearson: (1857 – 1936) Advogado e matemático inglês. É conhecido como o criador da estatística aplicada. Fundou o primeiro departamento de estatística aplicada no mundo na faculdade de Londres em 1911.

[16] Qadri Toqan: Maqam Al Áql índ Al Árab (O status do raciocínio entre os árabes), p 223.

[17] Al Jaldaki: (falecido depois de 742 d.H. / 1341 d.C.) Izzuddin Ali ibn Muhammad ibn Aidmor Al Jaldaki. Químico e filósofo. Sua cidade natal é Jaldak, em Kharasan. Entre os seus livros: Kanz Al Ikhtissas fi Ma’rifat Al Khawass. Veja: Haji Khalifa: Kashf Al Dhunun 2/1512 e Al Zarkali: Al A’alam 5/5.

[18] Al Tughraí: Abu Ismail Al Hussein ibn Ali ibn Muhammad Al Asbahani (453 – 513 d.H. / 1061 – 1119 d.C.). Literato e experiente no engenho da química. Nascido em Asbahan, foi nomeado na repartição de redação e no ministério e foi morto. Veja: Ibn Khalikan: Wafyiat al A’aian 2/185-190 e Al Safadi: Al Wafi bil Wafyiat 12/268 ,269.

[19] Ibn Abu U’ssaibi’ah: Tabaqat Al Atibba (Classificação dos Médicos), p. 218.