O Valor do Conhecimento entre o Islam e o Cristianismo
Dr. Ragueb El Serjani
Tradução: Sh. Ahmad Mazloum
Se fizermos uma comparação entre a importância da ciência no Islam e sua importância no cristianismo alterado encontraremos que a Igreja na Idade Média era completamente contra a ciência; a Igreja Cristã, desde o seu início em Roma se isolou das culturas grega e romana. A civilização romana estava a morrer quando vieram os ataques dos góticos, sendo que quando a Igreja Católica Oriental atingiu o auge de sua força lançou uma perseguição contra os filósofos e os sábios politeístas e fechou a escola de Atenas, combateu com mão de ferro a filosofia grega em Alexandria. A Igreja opinava que o único caminho para a purificação da alma é o seu caminho a Deus, e a perdição é a procura da realidade fora da Bíblia Sagrada, o pensamento e a pesquisa em assuntos mundanos[1].
A opinião da orientalista alemã Sigrid Hunke
A orientalista alemã Sigrid Hunke[2] confirma esta realidade ao comparar a ciência na visão do Islam e a ciência na visão do Cristianismo na Europa Ocidental durante a Idade Média. Ela lembrou como o mensageiro (a paz esteja com ele) recomendou todo crente – seja homem ou mulher – a buscar o conhecimento, e fez disso uma obrigação religiosa. Ele via na profundeza de seus seguidores no estudo das criaturas e suas maravilhas um meio para o conhecimento do poder do Criador, chamando a atenção deles para as ciências de todos os povos. Em seguida, concluiu, dizendo: “Completamente contrário a isso, o apóstolo Paulo perguntou confirmando: ‘O Senhor não chamou o conhecimento mundano de tolice?’”[3].
Da mesma forma, ela mencionou a definição de Santo Agostinho[4] sobre o eixo do conhecimento. Ele disse: “Quanto ao Senhor e o Espírito, eu desejo conhecê-los, portanto, a busca da verdade é a busca por Deus, e isto não requer auxílio externo, e a única fonte para este conhecimento é a Bíblia Sagrada”[5].
E Sigrid Hunke também esclareceu como a situação deles chegou ao ponto de considerarem quem defende uma nova ideia científica – a Terra ser circular, por exemplo – apóstata desviado, e usou como prova as declarações de Lactâncio[6], o mestre da Igreja, quando ele comentou as alegações de alguns cientistas sobre a Terra ser circular. Ele disse, perguntando e condenando:
Isso é possível? É possível as pessoas ficarem loucas a esse ponto, e entrar em suas mentes que os países e as árvores ficam pendurados do outro lado da Terra, e que os pés das pessoas estão acima de suas cabeças?!”. Quem se convence ou aceita uma interpretação científica sobre as ocorrências da natureza é amaldiçoado, quem explica razões naturais para o surgimento de um planeta ou para o transbordamento de um rio está em desobediência ao Senhor. Ainda, aos que explicam cientificamente a cura de um pé quebrado ou o aborto de uma mulher, isso tudo são castigos de Deus ou do Satanás, ou são milagres que estão além do nosso alcance![7].
O conflito entre a religião e a ciência
E assim, ocorreu um conflito entre a religião e a ciência na Europa, que paralisou o movimento científico na metade do século XVI cristão, e este conflito não teve fim senão com o início do renascimento científico, com a revolução científica européia e com o golpe contra a Igreja.
Dentre os exemplos disso: em 1543 d.C., Nicolau Copérnico[8] chegou à conclusão de que o sol é o centro do sistema solar (heliocentrismo) e não a Terra, como se acreditava antes (teoria geocêntrica). Essa conclusão científica foi uma catástrofe na Europa, a Igreja a recusou com a medida das “realidades” evangélicas e viu que esta conclusão contraria as suas crenças porque a Terra, após deixar ser o centro do Universo, transforma-se em um pequeno ponto em todo este Universo. Essa conclusão não é simplesmente uma descoberta científica, mas é um duro golpe contra a crença cristã que diz que Deus se encarnou nesta Terra para dar a salvação aos seus habitantes. Eles não assimilam como esta Terra pode se transformar num pequeno objeto em meio a outros objetos maiores que ela, mais grave ainda, como pode girar em torno do sol.
Por isso, a teoria do geocentrismo se adequava de maneira racional ao dogma que estabelecia que todas as coisas foram criada para o benefício dos seres humanos. Agora, estes seres humanos sentiam que cambaleavam em cima de um pequeno planeta, cuja história abreviou-se em apenas um parágrafo regional das notícias do Universo... Quando as pessoas pararam para pensar sobre os significados dessa nova teoria devem ter se perguntado sobre a verdade da crença que diz que o Criador deste imenso e organizado Universo enviou o seu filho para morrer neste planeta de médio tamanho. Pareceu que toda a bela poesia cristã “sumiu como fumaça” (como citou Goethe[9] mais tarde) sob o toque deste sacerdote polonês. E a astronomia que diz que a terra gira em torno do sol obrigou as pessoas a imaginarem o Criador novamente de foram menos estreita no horizonte e de forma menos carnal, e assim, a religião enfrentou o maior desafio da história[10]!
Copérnico, então, foi perseguido e não teve força para confrontar a violenta oposição que teve e viveu distante, morreu no mesmo ano em que sua obra foi publicada depois do entusiasmo de um de seus fãs e depois de adicionar algumas alterações com as quais ele admitia que a sua teoria é apenas uma série de conjecturas sujeitas a erro[11]. Mas quando Giordano Bruno[12] adotou a teoria de Copérnico, oitenta anos depois de sua morte, considerando-a uma realidade, a inquisição se apressou em proibir a leitura do livro de Copérnico[13] e condenou Bruno - que havia desenvolvido as opiniões de Copérnico e lhe adicionado mais detalhes - a ser queimado vivo em público[14]. As ideias de Copérnico formaram o início e a base das ideias de Galileu[15], e por causa delas ele foi julgado próximo dos setenta anos de idade. Neste julgamento, ele foi humilhado até que desistiu claramente de todas as suas ideias. Em seguida, foi condenado à prisão por período indeterminado e foi obrigado a ler os sete salmos de expiação diariamente durante sete anos[16].
Essa é a ponta do iceberg; os exemplos desse tipo são muitos e não param apenas nos julgamentos de Copérnico e Galileu e outros que citamos, mas expandiram a formação da inquisição contra os sábios. Esse tribunal realizou o seu trabalho de forma completa de maneira que, em um período de dezoito anos – desde 1481 até 1499 d.C. – condenou 10220 pessoas a serem queimadas vivas, 6860 pessoas à forca publicamente, e 79023 pessoas a punições variadas[17]. Também proferiu decisões que proibiam a leitura dos livros de Galileu, de Giordano Bruno e Newton[18] (por ter proposto a lei da gravitação universal) e ordenavam a queima de seus livros. O Cardinal Ecmenio queimou oito mil livros manuscritos em Granada porque eram contrários às opiniões da Igreja[19]!
Essa terrível e escura realidade foi vivida pela Europa durante longos séculos e foi denominada idade das trevas, também denominada Idade Medieval, que perdurou cerca de mil anos. Essa realidade fixou nas mentes dos sábios (a exemplo de Descartes[20] e Voltaire[21]) e das pessoas em geral a ideia de que não há esperança na busca do conhecimento e na invenção científica a não ser com a destruição da autoridade da Igreja, com a eliminação da religião completamente dos corações e com a adoção do ateísmo – em todos os sentidos da palavra. Então publicaram explicitamente a oposição às Escrituras Sagradas, como a Torá e o Evangelho, porque elas contém o que contraria as realidades científicas e porque creram que a religião – como viram realmente – persegue a ciência e os cientistas, o que se caracteriza a limitação da inteligência. Em seguida, pregaram a defesa da mente na oposição aos textos principais, argumentando que a mente pode alcançar as realidades científicas e pode distinguir entre o bem e o mal.
Após a Revolução Francesa, a Assembleia Nacional Francesa apoiou esta libertação ao emitir decisões no ano de 1790 d.C., que foram um verdadeiro golpe contra a Igreja, nas quais dissolveram os padres e freiras e obrigaram os homens da Igreja a se submeterem à lei civil. Começou então, a nomear os líderes da Igreja em vez do Papa. E em 1905 d.C., o governo francês reconheceu a lei que divide a religião do governo embasando-se na distinção entre eles e publicou a neutralidade do Estado frente à religião, sendo outro golpe que incentivou os opositores da Igreja a fazerem juramento de fidelidade ao povo, ao reino e à nova lei civil. Em seguida, se sucederam as decisões abrangendo os países da Europa, reduzindo assim o papel da Igreja na tentativa de domínio dos assuntos da ciência e da política e para se resumir completamente à prática de exortações e cânticos dentro de quatro paredes[22]!
A religião Islâmica nunca foi como a Igreja, nunca se opôs ou se colocou como obstáculo no caminho dos muçulmanos rumo à ciência, seja na área teórica, seja na área prática. Do contrário, convidou ao conhecimento e o incentivou, dando à mente total liberdade e absoluta contemplação e reflexão, distanciando-se da influência dos hábitos, desejos e caprichos. Como não faria isso, sendo que Allah enobreceu a mente ao dirigir a expressão a ela e ao fazê-la a base da responsabilidade!
Desta maneira, houve uma enorme diferença entre o pensamento islâmico baseado na liberdade de pensamento e na relação entre Allah e entre o servo sem intermediário – tal pensamento que eleva a mente e dirige a palavra a ela – e entre o pensamento cristão na Idade Medieval, que apreende a liberdade de pensamento e coloca a autoridade canônica entre os servos e entre o Senhor. Isso esclarece completamente porque a civilização européia no Ocidente precisou de mil anos para começar a se desenvolver gradativamente para, em seguida, construir seu renascimento sobre os ombros dos muçulmanos, sendo que ela tinha boas oportunidades de começar dois ou três séculos antes da civilização árabe islâmica[23].
[1] Nadia Husni: Al Ílm wa Manahij Al Bahth (O conhecimento e os sistemas de pesquisa), p. 13.
[2] Dr. Sigrid Hunke: (1913 – 1999) Ocidentalista alemã, nasceu em Hamburgo, estudou as ciências da religião, religião comparativa, filosofia, psicologia e jornalismo. Tornou-se doutora em 1941. Visitou vários países árabes. Entre as suas obras: “O sol dos árabes brilha sobre o ocidente” e “Deus não é assim”.
[3] Sigrid Hunke: O sol dos árabes brilha sobre o ocidente, p. 369.
[4] Santo Agostinho: (354 – 430 dC) Uma das mais importantes personalidades da história do Cristianismo indiferente de suas seitas. Cresceu cristão no norte da África, tornou-se maniqueísta e depois retornou ao Cristianismo. Foi sendo promovido até tornar-se bispo. Alguns historiadores o consideram uma personalidade marcante na história do Cristianismo.
[5] Sigrid Hunke: O sol dos árabes brilha sobre o ocidente, p. 370.
[6] Lactâncio, o africano: Um dos mais conhecidos santos cristãos, nasceu e cresceu na África na segunda metade do século III cristão. Conhecido como o defensor do Cristianismo, tentou comprovar o Cristianismo através da filosofia e lógica. O Imperador Constantino o designou tutor de seu filho mais velho.
[7] Sigrid Hunke: O sol dos árabes brilha sobre o ocidente, p. 370.
[8] Copérnico: Nicolau Copérnico (1473 – 1543 d.C.). Nasceu na cidade de Torun, na Rússia. Estudou na Polônia e concluiu seus estudos na Universidade de Bolonha na Itália. Era hábil astrônomo. É considerado o primeiro a formar a teoria do heliocentrismo e a teoria de que a Terra gira em torno de sol.
[9] Goethe: (1739 – 1832) Um dos mais destacados literários alemães, ele se influenciou com o pensamento literário árabe. Tem um poema cujo título é “a emigração” e “conjunto de poesias orientais de um poeta ocidental”.
[10] Will Durant: História da Civilização, 27/138 – 139.
[11] Idem 27/ 131 – 134.
[12] Giordano Bruno (1548 – 1600) Um dos mais famosos filósofos ocidentais italianos na época do renascimento europeu, seu pensamento é considerado uma mistura de filosofia, sufismo e feitiçaria. Sua preocupação espiritual e sua crítica intelectual o fez duvidar dos ensinamentos da Igreja. Por isso, o supremo tribunal da Inquisição o condenou a pena de morte em 1600 dC, e foi queimado vivo em Roma.
[13] Will Durant: História da Civilização, 27/138.
[14] Veja a história de Bruno em: História da Civilização, 27/288 – 300.
[15] Galileu: (1564 – 1642 dC) Estudioso astrônomo e físico italiano. Era chamado de fundador das ciências experimentais modernas. A Igreja Romana o convocou duas vezes para investigar a verdade sobre o seu apoio à teoria de Copérnico. Em 1633, a Igreja o condenou a prisão perpétua.
[16] Veja a história de Galileu em: História da Civilização, 27/ 264 - 280.
[17] Al Imam Muhammad Abduh: A Perseguição no Cristianismo e no Islam. Artigo publicado na “Revista Al Manar”, quinto volume, p. 401.
[18] Newton: Isaac Newton (1642 – 1727) estudioso matemático e astrônomo inglês, descobriu a teoria da gravidade da Terra, também descobriu os mistérios da luz e das cores, e elaborou o cálculo variacional e o método de integração por partes.
[19] Mani’ibn Hammad Al Juhani: Enciclopédia Fácil sobre Religiões e Seitas e Partidos Contemporâneos, 2/604.
[20] Descartes: René Descartes (1596 – 1650) Filósofo e matemático francês que muitas vezes é chamado de pai da filosofia moderna. Ele fundou a geometria analítica e foi o primeiro filósofo a caracterizar o Universo material segundo a matéria e o movimento.
[21] Voltaire: (1694 – 1778) Um dos mais famosos escritores e filósofos franceses e de maior influência. Seu livro Cândido (1759) é considerado mais conhecida de suas obras e foi traduzida para mais de cem idiomas.
[22] Enciclopédia Fácil de Religiões, Seitas e Partidos Contemporâneos. Assembléia Mundial da Juventude Islâmica. Capítulo sob o título: Os Católicos.
[23] Veja: Sigrid Hunke: O sol dos árabes brilha sobre o ocidente, p 372,373.