O Sistema de Estudo nas Escolas Alcorânicas (Al Katatib), Pioneirismo Islâmico

O Sistema de Estudo nas Escolas Alcorânicas (Al Katatib), Pioneirismo Islâmico

 

Dr. Ragueb El Serjani

Tradução: Sh. Ahmad Mazloum

 

Em sua viagem a Damasco, Ibn Jubair[1] descreveu-nos o progresso da educação sistemática de crianças lá. Ele relatou que o ensino do Alcorão para crianças em todo os países do Oriente foi baseada em doutrinação. Às crianças eram ensinadas a caligrafia através da escrita de poemas e outros, como forma de evitar o desrespeito ao Alcorão ao escrevê-lo e apagá-lo. Na maioria dos países, os professores de Alcorão não eram professores de caligrafia também. Os professores de caligrafia tinham boa reputação neste respeito, por causa do domínio da caligrafia e porque não tinham outra ocupação e dedicavam seus esforços ao ensino, e as crianças também se dedicavam à aprendizagem, por isso foi fácil para as crianças seguirem o exemplo de seus educadores.[2]

Assim, a educação das crianças nas escolas do Alcorão atingiu seu maior nível. Os muçulmanos conheceram o sistema de divisão de temas de estudo, e encarregavam um professor especializado para cada disciplina. Os orientais tinham grande preocupação em melhorar a habilidade de escrita de suas crianças, e isso foi destacado por Ibn Jubair como uma das características mais importantes do sistema de educação no oriente islâmico.

 O sistema de educação das crianças no Oriente continuou a usar o mesmo sistema contado por Ibn Jubair em 580 d.H. Percebemos que Ibn Battuta[3], em sua famosa viagem, relatou o que Ibn Jubair havia relatado 150 anos antes. Falando sobre os professores da Mesquita dos Omíadas em Damasco, Ibn Battuta disse:

          Havia um grupo de professores de Alcorão, cada um deles encostava-se num dos pilares da mesquita para ensinar os meninos. Eles não escreviam o Alcorão em folhas por respeito ao Livro de Deus, mas apenas recitavam. Além do professor de Alcorão havia o professor de caligrafia, que os ensinava a escrever poesias e outros. Então, os meninos passavam da educação para a escrita e, assim, eles tinham uma boa caligrafia, porque o professor de caligrafia só ensinava esta matéria.[4]

Note-se que as crianças aprendiam o Nobre Alcorão nas mesquitas, e em seguida, aprendiam a caligrafia para aprender a ler e escrever corretamente.

Quanto à disciplina das crianças batendo-as, os estudiosos desenvolveram um conjunto de regulamentos neste aspecto, o que significa que os muçulmanos se preocuparam com a educação e disciplina dos filhos desde muito cedo. Ibn Muflih Al-Maqdisi (falecido em 763 d.H.) relatou em seu livro Al-Adab Al-Shar'iyah (As Educações Religiosas) que "o estudioso muçulmano Abu Abdullah (Ahmad ibn Hanbal) foi questionado sobre a surra de um professor a um menino. Ibn Hanbal disse: ‘Que o faça de acordo com os seus erros, e deve evitar bater ao máximo, e se a criança é pequena e irracional, ele não pode bater’"[5]

          Muitos jurisprudentes, estudiosos, educadores e professores advertiram contra os exageros e uso de artifícios em bater em crianças ou tratá-las cruelmente. Al-Abdari disse:

          Seja cauteloso sobre o ato de alguns professores nesta época (século oitavo islâmico), que usam ferramentas para  atingir os meninos, como paus de amêndoas secos, galhos de tamareiras, chicotes e outras similares que eles  inovaram. Isso é demais e não é digno de memorizadores do Nobre Alcorão, tal como indicado no hadith que diz: "Aquele que memorizar o Alcorão parece ter a profecia entre os seus ombros, porém não é revelado a ele"[6]. O professor deve ensinar caligrafia e o entendimento das questões como ele os ensina a memorizar o Alcorão. Assim, os meninos terão a capacidade de memorização e compreensão, algo que os ajuda a ler os livros e entender as questões.[7]

As funções da escola alcorânica (al katatib) não abrangiam apenas a educação e o ensino, mas também tinham um papel social muito importante. Os muçulmanos não permitiram que houvesse isolamento e barreiras entre as escolas do Alcorão e a sociedade. Assim, as escolas do Alcorão interagiram com a sociedade e participaram de sua vida diária. Se um estudioso que beneficiou as pessoas com o seu conhecimento, um presidente que beneficiou o seu país com suas opiniões e trabalho, ou apenas um príncipe que foi justo em suas decisões, se um desses morresse, as escolas alcorânicas eram fechadas e os estudos eram suspensos no dia do sepultamento, a fim de participar da calamidade pública, manifestar condolências e prestar homenagem ao interesse público.[8]

Quando o governante do Egito, Ahmad ibn Tulun[9], ficou muito doente, os professores do Alcorão no Egito decidiram ir para o deserto junto com seus meninos para invocar a Deus para curar Ibn Tulun. [10]

Os professores zelaram em envolver as crianças nos assuntos públicos que afligem a sociedade. Ibn Sahnun[11] diz:

          Se há seca, e o governante ora por chuva, é recomendável que os professores levem os meninos que                             sabem rezar para invocar a Deus por chuva. Foi-me dito que quando o povo do Profeta Yunus (a paz esteja com ele) tiveram a certeza da punição, eles saíram com os seus filhos para invocar a Deus".[12]

 É notório que os educadores cuidaram da saúde dos meninos nas escolas do Alcorão. Eles aconselharam qualquer criança doente a se isolar de seus colegas para que a doença não se espalhe entre eles. Ibn Al-Haj Al-Abdari diz: "Se um dos meninos se queixa de uma dor nos olhos ou qualquer órgão do corpo, e sua dor é reconhecida como real, o professor deve enviá-lo para casa e não deixá-lo sentar-se na classe"[13], de modo a deixar que sua família cuide dele e trate-o, para que não ocorra a propagação de doenças infecciosas entre os meninos.

Era solicitado aos professores das escolas do Alcorão que impedissem os meninos de comer alimentos e doces oferecidos por vendedores ambulantes. "Os professores não permitiam que os vendedores parassem na livraria para vender para os meninos, pois os meninos seriam prejudicados ao comprar deles."[14] Os professores foram tão cuidadosos que "encarregaram um médico para vir à escola todos os meses"[15].

A preocupação e zelo da civilização islâmica pelas crianças desde a época do Profeta (a paz esteja com ele) revela que esta civilização não faz distinção entre velhos e jovens. Esta civilização soube que as crianças de hoje são os líderes de amanhã, por isso trabalhou para educá-los correta e beneficamente, através da criação de al katatib (escolas do Alcorão), que são como as escolas primárias em nosso tempo. Nobres estudiosos se formaram nestas escolas, sábios que forneceram ao mundo conhecimentos úteis e, a partir daí, a prosperidade e o progresso.

 


 

[1] Ibn Jubair: Ele é Abu Al Hussain ibn Muhammad Ahmad ibn Jubair Al Andalussi (540-614 d.H. /1145-1217d.C.), viajante e homem de letras que visitou o oriente três vezes, numa das quais ele compôs o seu livro "Viagens de Ibn Jubair". Ele nasceu em Valência e morreu em Alexandria. Veja: Al Zirikli: Al A'lam 5/319-320.

[2] Ibn Jubair: Viagens de Ibn Jubair, p 245.

[3] Ibn Battuta: Ele é Abu Abdullah Muhammad ibn Abdullah ibn Muhammad Al Tanji (703 - 779 d.H./1304-1377 d.C.), um viajante e historiador. Ele nasceu e cresceu em Granada e visitou muitos países. Ele foi morto em Marrakech. Veja: Al Zirikli: A'lam Al-6 / 235.

[4] Ibn Battuta: Viagens de Ibn Battuta, p 87.

[5] Ibn Muflih: Al Adab Al Shar'iyah (As Educações Religiosas) 2 / 61.

[6] Narrado por Al Hakim (2028), que disse: é um hadith correto, porém não foi compilado por Al Bukhari e Muslim.

[7] Ibn Al Hajj Al Abdari: Al Madkhal 2 / 317.

[8] Husni Hassan Abd Al Wahab: Muqadimat Kitab Adab Al-Mu'allimin li Ibn Sahnun (Introdução ao livro de código de conduta dos professores, autoria de Ibn Sahnun) p 57.

[9] Ahmad ibn Tulun: (morreu em 270 d.H.), o governador na Síria e Egito. Al Mu'taz Billah lhe atribuiu o governo do Estado do Egito. Ele era justo, benevolente, corajoso, modesto e de boa conduta. Verificava as coisas pessoalmente, construía os países e verificava os assuntos do seu povo. Ele amava os estudiosos. Veja: Al Safadi: Al Wafi bi Al Wafiyat 1 / 870.

[10] Ibn Al Jawzi: Al Muntazim 5 / 73.

[11] Ibn Sahnun: Ele é Abu Abdullah Muhammad ibn Abd Al Salam (Sahnun) ibn Said ibn Habib Al-Tanukhi (202-256 d.H./817-870 d.C.), jurisprudente da escola maliki. Teve muitas obras. Veja: Al-Zirikli: Al A'lam 6 / 204

[12] Ibn Sahnun: Adab Al Mu'allimin, p 111.

[13] Ibn Al Haj Al Abdari: Al Madkhal 2 / 322.

[14]  Ibn Al Haj Al Abdari: Idem 2 / 313.

[15] Abd Al Ghani Mahmud Abd Al Ati: Al Ta'lim fi Misr Zaman Al Ayyubin wa Al Mamalik (A Educação no Egito na época dos Ayyubis e mamelucos), p 145, e Muhammad Munir Sa'd Al Din: Pesquisa intitulada Dawr Al Kuttab wa Al Masajid ind Al Muslimin (O Papel das Escolas de Alcorão e das Mesquitas para os Muçulmanos), p 3.